20 DE NOVEMBRO

Aumento de representatividade trouxe mais cor e diversidade de conhecimento aos corredores da Universidade de Brasília

Com sorriso no rosto, a pós-graduanda Maíra Brito comemora uma Universidade de Brasília cada vez mais negra. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

“As cotas raciais se mostram extremamente necessárias se a gente parar para observar como são os corredores da UnB hoje e como eram 16 anos atrás. Não há dúvidas de que a Universidade está, sim, mais negra.” É assim que Maíra de Deus Brito, doutoranda do programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam), define a transformação ocorrida na UnB após a adoção da política de cotas. Em 2019, a aprovação da política de cotas na instituição completou 16 anos e as transformações que a comunidade acadêmica pôde presenciar neste período são inúmeras.

Dados do IBGE divulgados em 13 de novembro mostraram que, em 2018, pela primeira vez, o número de pretos e pardos no ensino superior público do Brasil superou a quantidade de brancos. São 50,3% contra 49,7%. Na população em geral, 55,8% dos brasileiros são negros (pretos e pardos). Na Universidade de Brasília, a realidade é percebida não apenas em números, mas qualitativamente. As mudanças estão presentes em sala de aula, na estética e, de maneira fundamental, na produção de conhecimento.

Para Paique Santarém, o negro mudou a forma de fazer pesquisa acadêmica. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Paique Duques Santarém é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e ingressou na UnB entre a aprovação da política de cotas e a efetiva implementação do sistema. Para ele, a presença de estudantes negros transformou a produção acadêmica.

“Eu sou antropólogo e nesta área é fundamental estudar o outro. Quando os pesquisadores são apenas brancos, o outro nunca é o branco. Então, na nossa área era sempre o branco estudando o negro, o indígena, os asiáticos. Quando o negro entra neste lugar de pesquisador, existe uma quebra de paradigma, os referenciais vão mudando.”

Na visão de Maíra Brito, que integra o Núcleo de Estudos em Cultura Jurídica de Atlântico Negro (Maré), a presença de grupos e coletivos tem papel fundamental na construção de difusão da produção de conhecimento a partir de pesquisadores negros. “Hoje existem vários departamentos com disciplinas que estão pensando raça, como a disciplina Direito e Relações Raciais, oferecida pelo Maré e optativa para alunos da graduação. A grande procura demonstra como os estudantes estão sedentos por disciplinas que abordem o tema”, afirma.

Já a professora e pesquisadora da Faculdade de Educação Rita Silvana Santos destaca a importância de se incluir epistemologias negras para além de disciplinas específicas sobre o tema. “A partir da educação ambiental, que é a minha área de atuação, eu discuto a questão do racismo e por que a gente ainda tem dificuldade de trabalhar com concepção de natureza, de educação, de humano, a partir de outras bases epistemológicas, como por exemplo uma base africana. Quando eu discuto sustentabilidade, eu não tenho como não discutir aspectos raciais, de gênero, identitários e de história e ancestralidades que foram negadas, como a ancestralidade negra e indígena”, explica.

Professora da FE, Rita Silvana Santos lembra que ainda há muito o que conquistar quando o tema é presença do negro na universidade. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

De 2004 para cá, quase 22 mil estudantes ingressaram na UnB por meio do sistema de cotas. Dez programas de pós-graduação têm a política instituída em seus processos seletivos.

Para a professora Rita, apesar de o número de estudantes negros ter aumentado, outros avanços ainda se fazem necessários. “É muito comum eu escutar que sou a primeira professora negra com quem os estudantes tiveram contato na Universidade. Este ano ouvi de uma aluna que eu fui a primeira professora negra da vida dela. Isso revela que a presença de professores e professoras negros ainda é pouca”, destaca.

COLETIVOS A organização de estudantes em coletivos negros é histórica na UnB, sendo um desses coletivos, o EnegreSer, um dos responsáveis pela implementação das cotas na UnB, como relata Paique Santarém. “Durante um bom tempo, o principal coletivo que tinha era o EnegreSer, mas em seguida veio o Afroatitude, um programa da Universidade dentro do qual estudantes negras se organizaram, formaram uma comunidade, construíram vínculos, e sustentaram uma boa parte da política pública. Depois, boa parte destas pessoas estiveram a frente do Centro de Convivência Negra (CCN).” 

Seguindo a linha da história dos coletivos negros da UnB, surge em 2015 o Coletivo Calunga, formado por estudantes negros da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). “O coletivo nasceu de uma vontade de juntar as pessoas negras aqui da FAU, que em primeiro lugar eram poucas e eram também muito dispersas. Eu tinha vindo do curso de Ciências Sociais, que historicamente tem uma personalidade mais ativa politicamente. Quando cheguei aqui eu achei muito interessante que mesmo com a política de cotas as pessoas ainda não se conheciam, não tinha um coletivo”, lembra Eduardo Dantas, um dos fundadores do Calunga.

Mateus Carvalho, Eduardo Dantas, Suenne Cardoso e Andressa Rodrigues são integrantes do Coletivo Calunga. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Para a estudante Andressa Rodrigues, o coletivo teve o papel fundamental de pautar temas importantes para a faculdade. “Percebemos que era muito importante a entrada da perspectiva racial no ensino da FAU. Lidamos com cidades e muitas discussões e problemáticas que a gente tem nas cidades não estavam presentes na faculdade”, relembra a estudante, que também destaca o papel do Calunga em trazer outras referências de boas práticas para a unidade acadêmica.

“Em 2018, promovemos uma série de palestras com arquitetos angolanos que estavam fazendo intercâmbio na Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab). Vieram falar sobre arquitetura, ensino e o que eles têm como referência em Angola. Em 2015, realizamos a exposição Negras Vidas; e em 2017, a roda de conversa O Corpo Negro no Espaço Urbano: experiência, gênero e raça”, menciona Andressa.

As transformações propostas na comunidade acadêmica a partir da presença destes grupos organizados também passa pelos espaços físicos e pela garantia da memória no campus. Recentemente, o auditório da Faculdade de Direito (FD) foi renomeado. A partir de uma interlocução entre os membros do Maré e a faculdade, o espaço passou a se chamar Esperança Garcia – mulher negra escravizada, considerada pela Ordem dos Advogados do Brasil a primeira mulher advogada do Piauí.

“Quando um espaço tem o nome de alguém, isso leva as pessoas a se questionarem, pesquisarem e quererem saber mais sobre a história dessa pessoa. É muito importante que se saiba que a primeira mulher advogada do Piauí foi uma mulher negra escravizada”, ressalta Maíra Brito.

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