LUTO

Referência em pesquisas sobre gênero, docente contribuiu para estruturação do Departamento de Sociologia e foi atuante na gestão pública

Lourdes Bandeira deixa legado para ciência e políticas públicas voltadas à equidade de gênero. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 
Destaque por suas pesquisas, publicações e atuação em temas como gênero, feminismo, violência de gênero e políticas públicas, a professora Lourdes Maria Bandeira morreu no domingo (12), por consequência de embolia pulmonar e acidente vascular cerebral. O velório aconteceu nesta segunda-feira (13), no Cemitério e Crematório Jardim Metropolitano, em Valparaíso de Goiás.

 

Lourdes Bandeira foi fundamental na reestruturação do Departamento de Sociologia (SOL) da UnB, do qual era professora titular desde 2005. Foi editora-chefe da revista Sociedade e Estado, publicação do SOL, por uma década.

 

Além da trajetória científica, a carreira da professora foi fortemente marcada por sua presença nos espaços de poder e de formulação de políticas. Suas pesquisas influenciaram no debate sobre diversas políticas públicas sociais no país, em especial aquelas ligadas ao combate ao feminicídio, e subsidiaram discussões do Congresso sobre equidade de gênero e ações de combate a violência à mulher e a idosas, por exemplo.

 

Em uma entrevista para a Secretaria de Comunicação da UnB, em 2018, a professora revelou que seu engajamento com a causa feminista veio enquanto estava em João Pessoa (PB) e participava de movimentos em defesa dos direitos humanos. Nesse momento, começou a notar que as notícias de mortes de mulheres eram diárias, tendo perdido, inclusive, duas alunas.

 

Volnei Garrafa, também professor emérito da UnB, conheceu Lourdes Bandeira ainda na década de 1960, quando foram contemporâneos na graduação, mas em cursos diferentes. Anos depois, reencontraram-se na UnB, quando ela veio fazer o mestrado na instituição. "Ela sempre foi muito inquieta, brilhante", lembra.

 

Ele conta que Lourdes contribuiu nos primeiros anos do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade, ao dar disciplinas relacionando seus temas de pesquisa à bioética. "Foi uma pessoa que tinha muito respeito pela qualidade, uma acadêmica em essência. Prezava o rigor, mas era muito generosa", acrescenta o docente. Ele destaca, ainda, o impacto da passagem de Lourdes pela Secretaria de Planejamento e Gestão da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, onde esteve como gestora entre 2008 e 2011 e foi secretária adjunta entre 2012 e 2015. Segundo o docente, Lourdes Bandeira teve um papel fundamental nas reflexões sobre a Lei Maria da Penha.

 

Ela Wiecko, professora da Faculdade de Direito da UnB, recorda dos momentos compartilhados com a emérita nas atividades do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem), do qual Lourdes foi coordenadora. Para ela, esta é uma grande perda. "A morte de Lourdes me causou um sentimento de orfandade. Lourdes era 'a' professora Lourdes, porque distribuía generosamente seu conhecimento e experiência, porque sabia como conduzir uma pesquisa científica, porque seu pensamento feminista estava atento ao contexto brasileiro e à diversidade das mulheres", salienta. Ela Wiecko pontua que o legado da docente permanecerá: "As sementes que lançou ao longo da vida germinaram e se desenvolverão em frondosas árvores".

 

A reitora Márcia Abrahão e o vice-reitor Enrique Huelva também lamentaram o falecimento. "A professora Lourdes Bandeira deixa um legado científico e político brilhante. Uma mulher corajosa, que inspirou muitas gerações de estudantes. É uma grande perda, não apenas para a UnB, mas para o Brasil", disse Huelva. 

 

"A trajetória da professora Lourdes Bandeira enche de orgulho as mulheres e a Universidade de Brasília. Sua capacidade intelectual e sua generosidade farão muita falta", acrescenta Márcia Abrahão.

 

HONRARIA – A outorga de seu título de Professora Emérita foi aprovada em reunião do Conselho Universitário (Consuni) em junho deste ano, no entanto, a docente faleceu antes da entrega. A homenagem passa a valer a partir de sua aprovação.

 

A honraria é concedida àqueles que alcançaram posição eminente em atividades universitárias. O parecer apresentado pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS), responsável pela indicação, destaca a importância da docente nas áreas de metodologia e da sociologia das relações de gênero e raça. Também indica que a docente se manteve efetiva e contribuindo para o Departamento de Sociologia, especialmente na oferta de disciplinas da pós-graduação e como membra de bancas de seleção.

 

No texto que levou à aprovação de seu título por aclamação, a relatora Neuma Brilhante, do Instituto de Ciências Humanas (ICH), ressalta sua trajetória dentro da UnB, incluindo seus períodos como chefe do SOL e diretora do ICS. Neuma lembra, ainda, que ela atuou como membro de diversos coros editoriais de revistas.

 

VIDA – Natural de Ijuí, no Rio Grande do Sul, Lourdes Maria Bandeira fez sua graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na década de 1970. 

 

Durante o mestrado em Sociologia, iniciado em 1975 na UnB, Lourdes Bandeira era representante estudantil. Quando houve a invasão pelos militares, foi ameaçada de expulsão da instituição e mudou-se para João Pessoa, onde atuou como professora colaboradora na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 

 

Em 1978, completou seu mestrado na UnB e, em 1984, obteve o título de doutora em Antropologia pela Université de Paris V René Descartes, na França, onde teve aula com Pierre Bourdieu, importante pesquisador das ciências sociais. Seus estágios pós-doutorais foram na École des Hautes Études en Sciences Sociales, também na França, e na Universidade do Porto, em Portugal. Foi ainda professora visitante na Université du Quebec, no Canadá.

 

Segundo a nota de falecimento publicada pela família, que também destaca o espaço aberto por Lourdes Bandeira para a discussão sobre a opressão de mulheres, ela deixa filhos, netos e sobrinhos "e um país melhor do que encontrou e, principalmente, menos injusto com as mulheres".

 

*Matéria atualizada em 15 de setembro, para acréscimo de informações.

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