Lançamento "A poesia hermética" de Paul Celan


Livraria do Centro de Vivência da UnB 19:00 - 00:00:00 29/08/2016 - 29/08/2016

Paul Celan é considerado por muitos como um poeta hermético, de difícil compreensão para o grande público. Trágico, porque traz elementos de sua experiência pessoal. Porém, o olhar (também poético) do professor Flávio Kothe sobre a obra poética de Celan brinda o público brasileiro com uma tradução primorosa de seus versos e nos alerta de que “aceitar o pensamento trágico significa ir até o fundo das contradições e assumir até o fim as suas consequências em atos e gestos”.

Em relação ainda ao trágico na poesia de Celan, Kothe nos adverte igualmente de que simplesmente afirmar que a tragédia é privativa da Grécia antiga e da Inglaterra shakespeariana “é um mecanismo de defesa para não deixar-nos reconhecer que existem em nós e em nosso tempo, tragicidade que não se mostra apenas em forma teatral, mas também na forma de romance ou de poema, de poema lírico”.

Já familiarizado com a obra de Celan (já havia traduzido dois livros dele), Kothe faz desta uma edição especial, que permite ao leitor o acesso à publicação bilíngue dos poemas e faz, ao final da obra, comentários aos poemas traduzidos.

De acordo com ele, os comentários se fazem importantes porque os poemas de Celan são herméticos e se tornaram cada vez mais esotéricos; assim, “esses curtos comentários do tradutor transmitem parte de sua vivência e compreensão com o objetivo de facilitar o acesso do leitor, para que este construa a sua compreensão e vivência”.

Paul Celan, filho de pais judeus, marcado pelas catástrofes da guerra (perdeu os pais em campos de concentração), escreveu o mais famoso poema em língua alemã do pós-guerra, “A fuga da morte”, que, segundo Kothe, se tornou central para a elaboração da culpa germânica diante da guerra. [Ele grita toquem a morte mais suave a morte é um mestre da Alemanha/ele grita toquem os violinos mais grave e elevem-se qual fumaça pelo ar/então vocês terão uma cova nas nuvens lá não se fica confinado].

Mas não era somente Auschwitz que afligia o pensamento de Celan, era também as vítimas de Hiroshima, de Nagasáki, do Vietnã, de Dresden, da Iugoslávia, das matanças na África e de tantas outras barbáries como essas. “A lírica de Celan é grande porque é trágica e não é sentimental”, diz Kothe.

Paul Celan, para quem a poesia não se impõe, a poesia se expõe, tinha em seus leitores o estranhamento pelo modo com que escrevia, porque “denso e plurívoco, com uma linguagem própria”. Ele mesmo, em seu discurso “O meridiano”, por ocasião do recebimento do prêmio Georg Büchner (que também faz parte desta edição), disse: A atenção que o poema procura dedicar a um que o encontra, o seu sentido mais aguçado para o detalhe, para o traçado, para a estrutura, para a cor, mas também para as “palpitações” e as “alusões”, tudo isso não é, creio eu, um feito do olho, que concorre (ou corre com) com aparelhos a cada dia mais perfeitos, mas é, sobretudo, uma concentração que fica rememorando todos os nossos dados.

O leitor desta obra primorosa, certamente, irá encontrar poemas a um só tempo trágicos, inquietos, inteligíveis para alguns, sobretudo, carregados de sofrimentos da memória, mas “como anjos, mensageiros da história”, como ele entendia ser os poemas. (Inês Ulhôa – Editora UnB)