ENTREVISTA

Conhecido por opiniões polêmicas sobre uso e combate às drogas, professor da Universidade de Columbia estará na UnB nesta terça (24)

 

Na próxima terça-feira (24), a Universidade de Brasília recebe o neurocientista e professor da Universidade de Columbia (EUA) Carl Hart. A palestra integra o segundo dia de atividades da XVII Semana Universitária.

Aos 50 anos, o professor Hart pratica exercícios físicos de três a cinco vezes na semana, entre uma e duas horas por dia. Sua alimentação, primordialmente vegetariana, rica em folhas verde-escuras e frutas, é complementada por aves e frutos do mar.

Carl Hart é convidado da XVII Semana Universitária. Foto: Divulgação

 

Primeiro professor titular afroamericano de Columbia, em Nova Iorque, é autor de vários livros, entre eles Drugs don’t turn people into criminals (Drogas não transformam pessoas em criminosos). Suas áreas de pesquisa, desde 1996, são Neurociência, Psicologia e Psiquiatria.

Ele contraria o que os estereótipos negativos indicariam para alguém que cresceu numa vizinhança pobre de Miami e se envolveu, ainda jovem, com pequenos crimes e uso de drogas.

De fala mansa e dono de dreadlocks, Hart diz escrever livros para educar a sociedade e manter a mente e os dados de sua pesquisa “afiados”.

Nesta entrevista, o pesquisador afirma que uso de drogas e iniciação sexual devem ser encarados como uma “autoescola”: com acesso à informação, diminui-se o efeito negativo.

Secom: Você já esteve antes na UnB. Como o contexto da nossa Universidade pode alterar a percepção do que você apresenta em sua palestra?

Carl Hart: Eu estive em muitas universidades pelo mundo todo e pude perceber que a cultura varia de instituição para instituição. Algumas culturas ditam que os estudantes devem ler tudo o que os professores indicarem. Outras, nem tanto. E isso é crucial na absorção das ideias que venho expor.

Secom: O que você considera que pode ser diferente na sua abordagem, por conta da audiência da Universidade?

Carl Hart: Minhas palestras são todas distintas e isso depende não só do público, mas também do meu humor no momento. Ainda assim, meu objetivo é tentar ajudar a audiência a entender coisas que as pessoas pensam que sabem sobre drogas. É errado que elas continuem a ter essas informações incorretas ou medos sem fundamento, que podem, de fato, causar consequências negativas e de impacto real em suas vidas e de outras pessoas. Então, esse é meu alvo. O que vai mudar para vocês são os detalhes que levarei para dividir.

Secom: Como o contexto das políticas de informação e combate ao uso de drogas pode afetar os dados que você apresenta?

Carl Hart: Essa é uma boa pergunta. Algumas coisas certamente serão percebidas de maneira diferente, já que o contexto do Brasil não é o mesmo dos Estados Unidos. Quando se pensa sobre drogas, as políticas têm sido como ferramentas para marginalizar as pessoas. Acho que isso acontece no Brasil de maneira mais forte do que nos Estados Unidos. Então, creio que, para os estudantes brasileiros, o impacto social será ainda mais relevante, devido ao contexto do uso das drogas e as suas políticas. Ainda assim, é interessante observar como as políticas dos dois países estão conectadas: talvez haja mais semelhanças do que diferenças.

Secom: O que o público pode esperar como foco da palestra?

Carl Hart: Os jovens estão em um momento de experimentação. Parto do princípio de que essa experimentação vai acontecer, então é melhor que estejam seguros e protegidos. Quero que eles pensem sobre o que eu tenho para dizer e que não se baseiem em histórias que escutam sobre o que drogas provocam ou não. Quanto mais dados, mais aumenta a segurança.

Secom: Que tipo de preocupação os pais devem ter quanto ao uso de drogas por seus filhos?

Carl Hart: Certamente a segurança. Da mesma forma que esta é uma preocupação dos pais quando os filhos começam a ter vida sexual ativa. Hoje, sabemos que o importante é que os jovens tenham acesso a preservativos para minimizar o risco de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Além disso, buscamos apresentar os métodos contraceptivos para que eles tenham todas as informações e possam saber o que estão fazendo e as consequências. Tanto o uso de drogas quanto a iniciação à vida sexual devem ser encaradas como a autoescola: dê as pessoas o acesso à informação sobre o funcionamento de um carro e você diminui o risco de efeitos negativos.

Secom: E para os jovens, qual conselho você dá?

Carl Hart: Não é legal começar cedo demais e sem informação. De novo, a lógica é a mesma do sexo. É preciso reconhecer que provavelmente eles irão começar a ter vida sexual em algum momento, já que grande parte da população tem interesse em sexo. O mesmo pode acontecer com as drogas, mas, se forem usar, que busquem informações de verdade. Perguntem. Nunca tenham vergonha de perguntar. Às vezes ficamos com medo de parecer bobos, mas eu digo: as pessoas que estão fazendo perguntas podem até parecer estúpidas, só que são as mais inteligentes.

Carl Hart defende que os cidadãos se informem, para saber como cobrar seus governantes. Foto: Divulgação

 

Secom: Qual a aproximação entre a ciência e aqueles que fazem leis?

Carl Hart: Eu diria que só podemos dar informações. Não sou inocente. O trabalho de um político é se eleger, então ele não vai se sentar comigo e buscar conhecimento, porque eu não tenho como elegê-lo. Por isso, as informações que nós, cientistas, temos precisam ser compartilhadas com a sociedade. Tendo as informações corretas, os eleitores podem votar naqueles que defendem seus interesses. Continuaremos com esse tipo atual de política até que a sociedade esteja de fato esclarecida.

Secom: Você pensa que a ciência tem um papel estratégico na formulação de políticas públicas?

Carl Hart: A Ciência deve ser considerada fundamental. Se ela tem esse status ou não, ainda é questionável; esse assunto deveria ser melhor debatido. Não acredito que a ciência esteja sendo usada dessa forma, tenho evidências limitadas de que está. Acredito piamente que deveria ser.

Secom: Algum conselho final para os jovens leitores?

Carl Hart: Perguntem. Esse foi o conselho que recebi e que me tornou a pessoa que sou hoje. Sejam questionadores, investigativos, incisivos. Já tive que responder a muitas perguntas e algumas delas eram para ser constrangedoras. Mas são constrangedoras no bom sentido, porque estamos falando de cuidado com pessoas e a preocupação nos leva a fazer do mundo um lugar melhor do que herdamos. Precisamos ter mais compaixão e esse é também o meu trabalho. Me toca muito.

SERVIÇO – Para conhecer mais sobre as ideias de Carl Hart, basta comparecer ao anfiteatro 9 do Instituto Central de Ciências, no campus Darcy Ribeiro, na próxima terça-feira (24), às 9h. Ele é o principal convidado da mesa Novo olhar sobre as drogas, que terá tradução simultânea. Às 14h, no auditório da Faculdade de Direito (FD), o professor participa das discussões sobre Genocídio da juventude negra. As atividades são gratuitas e estarão sujeitas à lotação dos espaços. Para a palestra vespertina, é necessário realizar inscrição prévia.

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