FALTA DE INCENTIVO

Conheça as histórias de duas pesquisadoras de pós-doutorado que tiveram o andamento de seus estudos prejudicado por cortes de bolsas da Capes

 

Com cancelamento de bolsas, pesquisas de impacto social correm risco de ser paralisadas. Foto: André Gomes/Secom UnB

 

Há dez anos, a pesquisadora da Universidade de Brasília Lilian dos Anjos estuda os potenciais terapêuticos de um novo peptídeo na regressão de doenças degenerativas, como mal de Parkinson, e de transtornos cerebrais, como epilepsia. A molécula foi modificada a partir do isolamento do veneno de uma espécie de vespa do Cerrado, a Polybia. A pesquisa mira o desenvolvimento futuro de um fármaco com potencial de neuroproteção de áreas cerebrais. Atualmente, não existem medicamentos com essa finalidade disponíveis no mercado, por isso, o estudo representa perspectivas positivas para a saúde em nível mundial.

 

A expectativa quanto à eficácia do fármaco é ainda maior no caso da epilepsia do lobo temporal, tipo mais prevalente da alteração neurológica. “Setenta por cento dos pacientes são resistentes aos medicamentos disponíveis. Por isso, tentamos achar novas opções para tratá-los”, afirma Lilian. Durante dois anos, ela conduziu estudos no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS/FS) com incentivo de bolsa de pós-doutorado, que se encerraria neste ano. Para dar continuidade à pesquisa, Lilian passou por um novo processo seletivo no programa, e foi aprovada em primeiro lugar.

 

A pesquisadora foi, no entanto, surpreendida com uma má notícia: desta vez não receberá a bolsa, por conta de cortes promovidos pelo governo federal no Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD). Com a falta do recurso, essencial para a dedicação exclusiva ao projeto e para a manutenção da pesquisadora, o estudo será paralisado. “Não posso continuar sem a bolsa, porque preciso do dinheiro. Minha pesquisa era feita em tempo integral, incluindo feriados e finais de semana. O auxilio é essencial para nós pesquisadores, porque podemos nos dedicar de maneira eficiente à pesquisa e gerar bons resultados”, lamenta.

 

Experimentos em animais demonstraram a capacidade de proteção contra crises espontâneas e recorrentes de convulsão, semelhantes àquelas encontradas em humanos. Também foi comprovado que a substância não induz reações alergênicas. A expectativa de Lilian com o estudo era verificar o potencial de redução de inflamações no sistema nervoso responsáveis por agravar os quadros de patologias degenerativas. “Fico muito triste por ter de parar uma pesquisa que estava bem avançada e ver que não terei a possibilidade de trazer uma resposta à população.” 

 

DEDICAÇÃO PREJUDICADA – A situação da pesquisadora Mônica Tenaglia também é complicada. Após concluir o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCINF/FCI) da UnB, em maio de 2019, ela projetava o ingresso no pós-doutorado. Mesmo aprovada em primeiro lugar na seleção do mesmo programa, viu o sonho esbarrar em um obstáculo. Mônica foi informada de que não receberia a única bolsa que seria disponibilizada aos pesquisadores de pós-doutorado de Ciência da Informação neste ano.

Mônica Tenaglia defende importância das bolsas de pesquisa para manutenção de projetos e das condições de vida dos pesquisadores. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

“Estou desempregada. Tinha me organizado para começar o pós-doutorado com essa bolsa”, alega. A pesquisadora defende a importância da manutenção do auxílio para a sustentabilidade da ciência. “As bolsas não só financiam a pesquisa, mas são um meio de os pesquisadores sobreviverem”, acrescenta. 

 

Natural de São Paulo, a acadêmica passou dois anos na Inglaterra para realizar mestrado na Universidade College London. Após o retornar ao Brasil, foi convidada para atuar como analista de documentação na Comissão Nacional da Verdade, em 2014. A experiência a instigou a querer investigar as dificuldades no acesso aos arquivos sobre a ditadura militar pelas diferentes comissões da verdade implantadas no Brasil.

 

O assunto tornou-se foco de sua tese de doutorado pela UnB. “Apesar de haver, nas últimas décadas, políticas de transferência dos arquivos da ditadura militar às instituições arquivísticas, podemos confirmar que ainda existem diversos acervos sobre a ditadura que ainda não foram nem transferidos nem tratados”, concluiu no trabalho.

 

A proposta do projeto de pós-doutorado é contribuir com a formação de arquivistas na identificação e gestão dos arquivos sobre violações dos direitos humanos, como os trabalhados pelas comissões nacionais da verdade. Mesmo sem bolsa, Mônica optou por realizar o pós-doutorado. No entanto, terá de buscar um emprego para arcar com suas contas. A pesquisadora reconhece as dificuldades de conciliar a carreira científica com outras atividades profissionais, tendo em vista o empenho exigido pelo desenvolvimento da pesquisa.

 

“Nós que queremos investir na carreira universitária ficamos reféns, porque precisamos fazer a pesquisa e publicar artigos acadêmicos para fortalecer o currículo e competir nos concursos públicos para professor. Fazer pesquisa é um trabalho em período integral, demanda tempo”, compartilha.

 

QUADRO  No início de setembro (2), o governo federal anunciou o cancelamento de 5.613 bolsas de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A decisão foi justificada pelas restrições orçamentárias. Foi a terceira vez em 2019 que a Capes determinou a subtração de benefícios pagos a mestrandos, doutorandos e pesquisadores de pós-doutorado de todo o país.

 

Somadas, as medidas resultaram em menos 321 bolsas na Universidade de Brasília em 2019 – número que representa redução de 20% em relação ao quantitativo disponível em janeiro. Os cortes atingem bolsas de Demanda Social (DS), do Programa de Excelência Acadêmica (Proex) e do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), que financia estágios pós-doutorais com o intuito de promover a qualificação científica em alto nível.

 

Segundo o Decanato de Pós-Graduação (DPG), mesmo com o recuo da Capes e do Ministério da Educação (MEC) no final de setembro – prevendo a reversão dos cortes em bolsas de programas com notas 5, 6 e 7 – o prejuízo ainda será grande, como noticiado pela Secretaria de Comunicação da UnB na época.  

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