HISTÓRIA

Paulo Speller, estudante de psicologia na universidade entre 1966 e 1968, relatou suas memórias na audiência realizada na última sexta-feira (5)

 

A importância dos trabalhos da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, segundo seu presidente, professor Roberto Aguiar, é trazer fatos à luz. “Estudantes e professores da UnB foram cruelmente perseguidos por cometerem o delito de pensar”, analisou. Aguiar criticou a idéia de que a Academia deve se limitar a “preparar para o mercado”. “A universidade é o lugar da diferença. É para pensar, divergir”, sentenciou na audiência da Comissão Anísio Teixeira que contou com a presença de Paulo Speller, atual Secretário de Educação Superior do MEC.

 

“Foi a mística em torno de Brasília e da UnB que me atraiu para cá”, relatou Paulo Speller. “Aquilo tudo representava o novo para nós, estudantes”. Speller veio de Belo Horizonte prestar vestibular para o extinto curso de Administração Pública. A universidade estava em processo de reorganização, após a histórica demissão coletiva de professores, em 1965. Assim que foi reaberto o curso de Psicologia, o jovem mineiro passou a estudar o que realmente queria.

 

Os primeiros passos da jornada acadêmica de Paulo Speller foram marcados por mobilização. “Junto com a reorganização da universidade em 1966, reestruturava-se, também, o movimento estudantil”, relembrou. Para o secretário, havia dois grupos bem definidos de alunos na UnB naqueles dias: os que moravam na cidade e os que vinham de fora para estudar e a questão da moradia estimulou a reorganização dos estudantes. “Ocupamos três barracões vazios e bem estruturados que havia no Centro Olímpico”, relatou. “Invadimos e passamos a morar”.

 

“Passamos a vivenciar a truculência com a chegada do Capitão de Mar e Guerra José Carlos Azevedo em 1968”, contou Speller. Nesse ano, a história da UnB seria marcada pela mobilização política no campus, infiltração em grupos de esquerda e episódios de violência. A primeira ação radical dos estudantes foi a expulsão de um professor estrangeiro que residia na Colina. Suspeito de ser informante da repressão, o docente teve seu apartamento invadido e seus pertences removidos.

 

Depois, a prisão feita por estudantes de um agente que circulava disfarçado pela UnB desencadeou presença policial na universidade em agosto de 1968. “Acordei de madrugada com a universidade totalmente cercada pela polícia”, relembrou Speller, que era o único dirigente da Federação de Estudantes Universitários de Brasília (FEUB) presente no campus. Após negociação, o agente foi libertado e a polícia se retirou da UnB. Mesmo sem ter tido envolvimento com o caso e não ter sido reconhecido pelo policial que ficara refém dos estudantes, Paulo Speller foi responsabilizado pelo cárcere privado.

 

A passagem do líder estudantil pela polícia começou com uma semana preso no Batalhão da Polícia do Exército (BPE), em Brasília. Speller contou que quando teve sua prisão preventiva decretada, seu pai escondeu os livros do estudante no sótão de casa, temendo estarem na lista das publicações proibidas pela ditadura. O secretário de Ensino Superior também relembrou da ajuda que os estudantes receberam de deputados, em especial do falecido Mário Covas. “Ele chegou a hospedar estudantes em sua própria casa”, declarou.

 

Com apoio de parlamentares, Paulo Speller liderou a delegação brasiliense que participou do histórico XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes, em outubro de 1968, em Ibiúna-SP, quando centenas de estudantes foram presos. Dois meses depois, em 13 de dezembro, era editado o AI-5, suprimindo o que ainda restava de possibilidade de democracia no Brasil.

 

Speller voltou algemado para Brasília, em avião da Polícia Federal. Contou que, de dentro da cela, observou a movimentação das tropas na madrugada da edição do AI-5. “Logo começaram a chegar os primeiros prisioneiros”, relatou. Dentre eles, estavam Mário Covas e Sobral Pinto. “A prisão do BPE se transformou em centro de tortura”, revelou Speller. “Ouvíamos a sessões de violência. Víamos as vítimas sendo colocadas de volta nas celas. Coisas pavorosas, cenas indescritíveis”.

 

Levado de volta para São Paulo, pois o “crime” de participar do congresso da UNE fora cometido lá, Speller foi transportado para a sede do DOI-CODI, órgão subordinado ao Exército, acusado da responsabilidade de tortura e desaparecimento de centenas de pessoas. “Faziam terrorismo com a gente”, relatou Speller. “Blefavam, dizendo que aquela seria a minha vez de ser torturado. As sessões eram constantes, e sempre à noite. As pessoas voltavam para a cela completamente arrebentadas”.

 

Após 14 meses preso e impedido pelo então vice-reitor Azevedo de retornar à UnB, Speller se exilou no México, onde foi professor da Universidade Autônoma (UNAM). Oito anos depois, mudou-se para Moçambique, onde passou o período 1978-1979. Com a Anistia, retornou ao Brasil e foi lecionar na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

 

Após ocupar vários postos de destaque em organismos como Unesco e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ligado à Presidência da República, e ter sido reitor da UFMT e da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), Paulo Speller assumiu a Secretaria de Ensino Superior do MEC em abril deste ano.

 

ARQUIVO PÚBLICO - Além do depoimento de Speller, a audiência contou com a participação de Gustavo Chauvet, superintendente do Arquivo Público do Distrito Federal. Chauvet anunciou que o Arquivo está organizando acervos relativos ao período da ditadura. “Estamos fazendo uma varredura nos arquivos para melhor entender a ditadura no Brasil sob a perspectiva do DF”, declarou Chauvet. Graduado e mestre pela UnB, o superintendente anunciou que o Arquivo Público está preparando, em parceria com a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), um programa sobre os 50 anos do Golpe Militar.

 

O professor Daniel Faria, do Departamento de História, fez relato das pesquisas feitas pela Comissão Anísio Teixeira, envolvendo voluntários e bolsistas. “Há uma quantidade imensa de documentos, no Arquivo Nacional e outros lugares”, declarou. Faria informou que, nos próximos meses, a comissão passará a pesquisar em outras fontes, como o Centro de Inteligência da Aeronáutica e os arquivos da Polícia Federal.

 

O professor Faria ressaltou ainda a relevância da tomada de depoimentos, frente à documentação levantada. “Eles se complementam. São muito importantes, pois trazem informações e enfoques que não estão apenas nos papéis”, explicou.

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