DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Conquistas e desafios para garantia dos direitos das mulheres são lembrados por pesquisadoras, professoras e ativistas ligadas à UnB, neste 8 de março

Reportagem especial marca o 8 de março de 2020 na Universidade. Arte: Ana Rita Grilo/Secom UnB

 

Defesa dos direitos trabalhistas, da igualdade salarial, da autonomia financeira, do direito ao voto feminino, de maior representatividade na política; combate ao assédio e às violências sexual, doméstica e obstétrica; garantia da liberdade sexual e dos direitos reprodutivos; acesso à educação; respeito à diversidade de gênero, raça e etnia; reconhecimento social.

 

Essas são algumas das lutas históricas protagonizadas por mulheres no mundo todo que dão tom às atividades do 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Oficializada em 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU), a data ganhou projeção por resgatar essas e outras conquistas políticas e sociais que contribuíram para a emancipação feminina, mas também por relembrar enfrentamentos ainda necessários para a promoção da equidade de gênero.

 

Os desafios para avançar nas agendas ainda são grandes. Uma mulher é agredida por, ao menos, um homem, a cada quatro minutos no Brasil, de acordo com registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no Ministério da Saúde. O país também é considerado o quinto com maior número de feminicídios no mundo: entre 2016 e 2018, mais de 3,2 mil mortes de mulheres foram contabilizadas.

 

Na contramão do cenário, as leis Maria da Penha (11.340/2006) e do Feminicídio (13.104/2015) – que tipifica os assassinatos de mulheres por razões da condição do sexo feminino como homicídio qualificado – são importantes marcos para fortalecimento de políticas de proteção às mulheres e para o combate à violência contra elas.

 

No quesito mercado de trabalho, as brasileiras ainda são a maioria na informalidade – o que acarreta desvantagem nos ganhos salariais – e têm menor representatividade nos cargos de liderança. A diferença em relação ao salário dos homens é ainda grande: em 2018, mulheres ganhavam 79,5% do que eles recebiam, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).

 

Por outro lado, as desigualdades de gênero nas carreiras científicas vêm se reduzindo. Entre os 77,8 mil pesquisadores brasileiros nas cinco maiores áreas do conhecimento que declaram ter doutorado na Plataforma Lattes, 40,3% são mulheres. Elas também têm produzido cada vez mais ciência: 72% dos artigos publicados no Brasil entre 2014 e 2017 foram assinados por pesquisadoras, de acordo com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Ao ocupar espaços de protagonismo no ambiente acadêmico, elas têm a oportunidade de alavancar em suas produções científicas mecanismos para o enfrentamento ao sexismo.

 

MUDANÇA COMEÇA PELA AÇÃO – Na Universidade de Brasília, as contribuições de pesquisadoras e docentes têm mobilizado caminhos para alicerçar a busca por equidade de gênero. A atuação da antropóloga e professora da Faculdade de Direito (FD/UnB) Débora Diniz é exemplo disso. Reconhecida por seu trabalho em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres, a docente foi laureada em fevereiro com o Dan David Prize, na categoria igualdade de gênero. A premiação internacional agracia iniciativas com impacto científico, tecnológico, cultural e social no mundo.

 

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Na saúde mental, outras iniciativas da UnB lideradas por mulheres têm aprofundado a pesquisa, com perspectiva em gênero, de questões como sexualidade da mulher, maternidade, violência contra a mulher e problemáticas de ordem psicológica. Há, também, pesquisas que investigam intersecções entre gênero, raça, direito e democracia, além de ações realizadas para aproximar a comunidade externa ao debate sobre os direitos das mulheres, como é o caso do projeto de extensão Promotoras Legais Populares, vinculado à Faculdade de Direito (FD).

 

As gerações mais novas também são alvo de ações da UnB. Uma delas é o projeto Meninas Velozes, da Faculdade de Tecnologia (FT) que objetiva despertar o interesse de alunas do ensino médio pela formação superior na área das engenharias e promover a equidade de gênero e social. Por trás dessas realizações, vozes múltiplas de mulheres, com trajetórias distintas no ambiente acadêmico, apontam perspectivas para a construção de um mundo mais justo e igualitário.

 

Confira os depoimentos de cinco mulheres vinculadas à UnB sobre os caminhos e desafios para alcançar a equidade de gênero:

 

Valeska Zanello, professora do Instituto de Psicologia. Imagem: UnBTV - Arte: Ana Rita Grilo/Secom UnB

 

Valeska Zanello, professora do Instituto de Psicologia (IP) e coordenadora do grupo de estudo Saúde Mental e Gênero, referência em pesquisas na temática.

 

“Para atingir a equidade como projeto, temos de pensar em várias frentes. Uma delas são leis que visem garanti-la. Por exemplo, no caso de mulheres que acabaram de ter filhos e estão na fase de amamentação, que tipo de políticas poderiam garantir continuidade de acesso ao mercado de trabalho, divisão mais igualitária [dos cuidados da criança] e paternidade responsável, visto que a paternidade negligente é algo comum na nossa cultura?

 

Outro aspecto é a educação. Precisamos construir outras masculinidades menos pautadas na violência e outras formas de vir a ser mulher fora do que eu chamo de dispositivo amoroso e materno. Na nossa cultura, ser mulher é ser legitimada por ser escolhida por um homem. Isso coloca as mulheres em relações profundamente abusivas. Geralmente, elas se responsabilizam não só pela obtenção, mas pela manutenção das relações, e os homens são profundamente protegidos por esse modo de economia afetiva.

 

Nesse sentido, a discussão da saúde mental dentro dos estudos dos direitos das mulheres e de gênero também é muito importante porque, em geral, o sexismo leva ao adoecimento psíquico. As mulheres aprendem a ser interpeladas a não causar conflito, a não nomear seu mal-estar, a se responsabilizar pelo bem-estar do outro e, muitas vezes, implodem psiquicamente. Em uma sociedade em que a violência contra a mulher é tão recorrente – uma em cada três já sofreu algum tipo de violência pelo simples fato de ser mulher – ainda não temos mecanismos de atendimento e de nomeação da especificidade desse sofrimento.

 

Muitas mulheres vítimas de violência buscam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), mas não encontram a escuta necessária para qualificar esse sofrimento. E, muitas vezes, elas também não são reencaminhadas para a rede de atendimento à violência contra a mulher porque não se detecta a violência como sendo um fator preponderante causador do problema. Temos que pensar nesses fatores sociais que geram sofrimento.”

 

Cléia Pereira de Sousa Ferreira, formada pelo projeto de extensão Promotoras Legais Populares. Foto: Luis Gustavo Prado - Arte: Ana Rita Grilo/Secom UnB

 

Cléia Pereira de Sousa Ferreira, formada pelo projeto de extensão Promotoras Legais Populares da FD, que oferece à comunidade externa oficinas para debater temas relacionados aos direitos das mulheres.

 

“Acredito que os caminhos para alcançar a igualdade de gênero são promover a troca de saberes entre as mulheres do meio em que vivemos, fazer com que todas estejam informadas sobre seus direitos como seres humanos e dar voz a elas para que tenham consciência do valor e da força transformadora que têm. A fórmula é também a educação libertadora que seja autogestionada pela comunidade consciente de seus direitos. Nós, mulheres, ainda temos amarras emocionais, resquícios do patriarcado. Os desafios são destruir essas amarras e estarmos atentas para não reproduzir posturas destrutivas e submissas ao sistema.

 

É chegar a todos os bairros e cidades com propostas emancipadoras, como a das Promotoras Legais Populares (PLPs). Depois que você ativa essa sementinha da liberdade de fala e de entender seus direitos, ao ver uma mulher em situação de risco ou mesmo triste e nervosa, você vai lá e conversa com ela. Essa atitude planta outra sementinha e, essa mulher que recebeu uma mão amiga, irá reproduzir esse gesto solidário e amigo. Nós, mulheres conscientes e bem informadas, somos células e estamos nos multiplicando.”

 

Camila Melo Prando, professora da Faculdade de Direito (FD). Foto: Arquivo pessoal - Arte: Ana Rita Grilo/Secom UnB

 

Camila Melo Prando, professora da Faculdade de Direito (FD) e coordenadora do Centro de Estudos de Desigualdade e Discriminação (CEDD).

 

“Nas ações das quais participo na UnB, percebo que o primeiro desafio é, ainda, convencer boa parte da esfera pública, de que não há igualdade de gênero em nosso país. Por mais incrível que pareça, isto não é ponto comum na era da pós-verdade. É também preciso convencer a esfera pública de que a luta pela existência digna de pessoas, para além do binarismo de gênero, é uma luta urgente.

 

Estas lutas e construções travam-se em espaços micros e macros, no campo das políticas afetivas do cotidiano e nas políticas públicas municipais, estaduais e federais. Isto inclui, na Universidade, movimentos no cotidiano dos corredores e das atividades docentes e discentes. E movimentos por políticas universitárias de inclusão, acolhimento e reconhecimento. E este, talvez, seja o nosso grande desafio, em um momento em que a Universidade tem sido alvo de desqualificações recorrentes por parte de um pensamento autoritário, que não deseja alianças com a produção de qualidade do conhecimento e com as demandas por igualdade e diversidade.”

 

Tânia Mara Campos, professora do Departamento de Sociologia (SOL). Foto: Luis Gustavo Prado - Arte: Ana Rita Grilo/Secom UnB

 

Tânia Mara Campos, professora do Departamento de Sociologia (SOL) e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres (NEPeM/Ceam).

 

“Eu diria que são quatro caminhos articulados entre si para alcançar equidade de gênero. O primeiro deles é a educação em diversos níveis. Como a gente fala, media relações em sala de aula, o que a gente ensina, a linguagem inclusiva que a gente deve ter, a maneira que a gente apresenta conteúdos e como a gente media as relações entre as pessoas.

 

Uma segunda ação seria no campo da ciência, para que a ciência possa levantar, identificar, analisar, discutir mundos e possibilidades de mundos em que essas igualdades estejam colocadas e também as formas para alcançá-las.

 

Uma terceira ação é a articulação de leis e políticas públicas com aquilo que a ciência está indicando e com os movimentos sociais e as vidas das pessoas. É necessário perceber como as demandas, articulações e reivindicações dos movimentos da sociedade são caminhos para essa igualdade ser conquistada. Falo também de um caminho político, de representação das pessoas nas posições de decisão para que possamos também ter representantes que sejam afinadas e afinados com essa igualdade entre gêneros.

 

E uma quarta ação tem a ver com as mentalidades e com os afetos. É uma mudança no campo cultural, onde a gente é atingido mais diretamente no nosso imaginário, nas nossas emoções, na forma como a gente sente e percebe o mundo. Para que tenhamos à disposição outras maneiras de simbolizar e de representar nas artes novas formas de relações entre gêneros, de tal maneira que essas novas representações nos toquem nas nossas emoções e sejam respostas emocionais e no nosso imaginário para essas questões todas que vivenciamos.”

 

Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política (IPOL). Foto: Arquivo pessoal - Arte: Ana Rita Grilo/Secom UnB

 

Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política (IPOL), presidenta da Associação Brasileira de Ciência Política e pesquisadora sobre desigualdades de gênero, feminismo e democracia

 

“Os obstáculos para alcançar a igualdade de gênero podem ser entendidos como político-institucionais, estruturais e simbólicos. Entre eles, estão as práticas formais e informais que reproduzem os entraves à participação política das mulheres e mantêm as decisões sobre leis e orçamento nas mãos dos homens, além da divisão sexual do trabalho, que faz com que as mulheres assumam mais responsabilidades pelo trabalho doméstico e pelo cuidado.

 

Essa divisão está na base das desvantagens salariais delas, mesmo quando as mulheres têm maior nível educacional, como é o caso no Brasil hoje. Incluem-se ainda os estereótipos que justificam violências e definem as mulheres como menos capazes do que os homens. A construção de uma sociedade mais igualitária em termos de gênero depende de que se tenha clareza de que mulheres são diferentemente afetadas por esses obstáculos, de acordo com classe, raça e sexualidade.

 

Os caminhos para mudar o cenário estão em aumentar a participação política das mulheres, com a atuação delas na direção dos partidos políticos e tornando a lei de cotas para as mulheres mais efetiva; ampliar a responsabilidade coletiva e pública pelo cuidado, por meio de creches e escolas integrais; e debater com as crianças as desigualdades de gênero, a violência e a discriminação contra as mulheres, para que os estereótipos não sejam reproduzidos.”

 

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