OPINIÃO

Professores do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução - LET, da Universidade de Brasília

 Professores do Departamento de Línguas Estrangeiras e Traduções

 

Senhor Ministro,


A propósito do parágrafo 8 do artigo 36 da Medida Provisória número 746, de 22 de setembro de 2016, onde se lê:
Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino, nós, professores do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília, manifestamos nossa veemente discordância quanto à retirada da obrigação da oferta da língua espanhola no currículo escolar do Ensino Médio.


Essa discordância se intensifica por supormos ser notório para aqueles que acompanham os processos históricos da educação brasileira o fato de que, desde que se tornou obrigatório o ensino de espanhol na educação básica, há dez anos, pesquisas exaustivas e qualificadas foram e continuam a ser realizadas por gabaritados educadores, que produzem conhecimentos acadêmicos indispensáveis a qualquer nação que almeje a internacionalização de sua produção intelectual e o consequente intercâmbio de conhecimentos, em especial com seus vizinhos geográficos. Ignorar esses fatos instaura a  incerteza quanto à legitimidade das políticas públicas brasileiras.


É indispensável mencionarmos que os investimentos realizados para a difusão do espanhol no Brasil envolveram recursos nacionais e internacionais. No caso dos parceiros internacionais, acreditamos que será difícil para o Ministério dirigido por Vossa Excelência justificar, aos inúmeros parceiros internacionais, o revés a que será submetido o ensino da segunda língua mais empregada  no mundo, com exceção, obviamente, do Mandarim, que detém a supremacia de língua mais falada. O inglês, cuja obrigatoriedade é prestigiada pela Medida Provisória 746, ocupa o terceiro lugar no ranking mundial.


Internamente, a supressão do espanhol da grade curricular do Ensino Médio frustraria a expectativa de professores, que, atendendo a uma demanda do Ministério da Educação, fizeram licenciatura, mestrado e doutorado com a intenção de melhor servir à educação brasileira. Igualmente desapontados ficarão os jovens que estão com suas licenciaturas em espanhol em andamento, ao saberem que a demanda por novos professores da área encolherá.


Fazemos esse apelo pela alteração do contido no parágrafo 8 supramencionado por entendermos que Vossa Excelência, pela função que exerce, e sua assessoria, pelo dever de estar muito bem fundamentada para não expô-lo negativamente diante das comunidades acadêmicas nacional e internacional, não gostariam de assumir a responsabilidade de tornar proibitiva a leitura, no original, das obras de Miguel de Cervantes, autor emblemático da literatura hispânica, e de Gabriela Mistral, Miguel Ángel Asturias, Pablo Neruda, Vicente Aleixandre, Gabriel García Márquez, Camilo José Cela, Octavio Paz e Mario Vargas Llosa, só para citar alguns agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura. Retirar o espanhol da grade curricular do Ensino Médio, entre tantos outros equívocos, promoverá um apartheid linguístico e cultural ao restringir a aprendizagem desse idioma aos filhos das famílias mais abastadas.


Citar a importância do contato, no original, com a obras dos grandes literatos hispânicos não é uma questão de beletrismo. A aproximação com as obras desses autores nos põe em contato com obras literárias de reconhecimento internacional inconteste e que podem nos encaminhar  em direção ao multiculturalismo demandado pela sociedade da Alta Modernidade. Além disso, o espanhol é uma das línguas oficiais da UNESCO, da União Europeia, do GATT, do Mercosul e de muitas outras organizações internacionais.


É por tudo isso que não devemos ignorar a importância do espanhol, ao lado do inglês, na construção do multilinguismo e do multiculturalismo, que são verdadeiros passaportes para a Sociedade do Conhecimento e que vêm se configurando como catalisadores indiscutíveis na promoção do acesso universal aos bens culturais tão necessários às nações que buscam o reconhecimento internacional, por meio do realce dos valores intelectuais de seus cidadãos. 

 

Preocupa-nos, igualmente, saber que a supressão do espanhol vem no bojo de um conjunto de medidas de constitucionalidade discutível e materializada por uma Medida Provisória. São essas condições que dão um indesejável caráter aligeirado a algo que carece de reflexão e do envolvimento de vários setores da sociedade, a fim de que não se deságue na desigualdade social e na precarização do ensino.


Entendemos que o mero aumento da carga horária não garante incremento da qualidade do ensino ministrado aos alunos do Ensino Médio. Fatores como a atração de talentos para o magistério, o incentivo para a formação continuada dos mestres, a disponibilidade de espaços físicos dignos, o estabelecimento de mecanismos compensatórios das carências que os alunos trazem do ensino fundamental, a aproximação do que é ministrado nas escolas com as reais necessidades do alunado, o estimulo à autonomia dos alunos e a compatibilização do horário de permanência na escola com as atividades laborais deles não podem ser ignorados. Indispensável dizer que isso envolve investimentos massivos num momento em que o Governo Federal sinaliza cortes orçamentários severos.


Por sabermos que o Ensino Médio no Brasil atravessa situações críticas, entendemos que a adoção de medidas aparentemente fáceis e sem o apoio de setores tecnicamente qualificados da sociedade brasileira pode, ao invés de equacionar essas situações, aprofundá-las. Entendemos, portanto, que, se a reforma objeto da Medida Provisória 746 for levada a cabo, ficará ameaçado o futuro de nossa juventude. Urge, portanto, a abertura de um diálogo mais qualificado e menos assimétrico com a sociedade brasileira.

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