OPINIÃO

Graduação em Ciências Contábeis e em Ciências Econômicas, mestrado em Administração pela UnB e especialização em Administração Econômica e Financeira pela Universidade de Paris I e em Política e Administração Tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB). Consultor legislativo e coordenador do Núcleo de Orçamento, Finanças e Tributação, da Câmara dos Deputados. Possui cinco livros publicados, entre eles Contabilidade Tributária (Atlas) e O sistema Tributário na Nova Constituição (Editora UnB).

Roberto Bocaccio Piscitelli 

 

Matéria divulgada no Correio (6/1) dá conta de que as paralisações no serviço público, no primeiro semestre de 2016, foram mais numerosas e consumiram mais horas que as no setor privado. E que, no primeiro caso, as principais reivindicações são por reajuste salarial e, no segundo, contra salários atrasados. O cenário de crise ajuda a explicar o fenômeno. Como demonstram os dados do Dieese, é crescente o número de acordos na iniciativa privada - já em mais de 50% dos casos - com reajustes abaixo da inflação: troca-se a recomposição do poder de compra do salário pela manutenção do emprego; substitui-se mão de obra mais cara por mão de obra mais barata; reduzem-se os prazos contratuais e a jornada de trabalho; aceita-se a informalidade em detrimento dos direitos da formalização das relações de trabalho.

 

No serviço público, a estabilidade, para a maioria – que reduz os riscos associados às paralisações –, amortece a percepção dos efeitos de reajustes cada vez menos sistemáticos e inferiores à inflação. Onde, então, residem as particularidades? Precisamente nas profundas diferenças existentes no âmbito da própria administração. Há, hoje, enorme disparidade entre diferentes carreiras e cargos, nas diversas estruturas do serviço público, tornando algumas corporações extremamente poderosas e relegando à maioria o que se poderia considerar como vala comum, falseando, inclusive, a própria imagem que o grosso da população tem dos servidores em geral.

 

É inegável que as condições para ingresso no serviço público impõem pesadas exigências e que determinados grupos exercem funções nem sequer remotamente comparáveis com as do mercado privado, com responsabilidades administrativas, civis e penais, e uma série de restrições ao exercício de qualquer outra atividade. Mas é preciso reconhecer que a influência de certas corporações nos altos escalões do Poder e o clamor pela independência na sua atuação extrapolam os limites do que se poderia considerar como razoável numa estrutura republicana genuinamente democrática e num contexto de profissionalismo funcional e de clara definição entre os papéis da política e da administração.

 

É bem verdade que os nossos governos têm grande contribuição para esse estado de opacidade, de superposição – e, muitas vezes, de caos – que cerca as relações entre o Estado e a sociedade, entre os governos e a administração. Abusa-se do apadrinhamento e da partidarização, comprometendo a boa gestão. Mistura-se o público com o privado, reforçando a herança patrimonialista do Estado brasileiro. De qualquer maneira, não se pode ignorar o fato de que algumas corporações, tornando reféns os governos, se julgam no direito de paralisar o funcionamento de atividades essenciais e direcionar a sua atuação para interesses específicos e transitórios.

 

Nesse sentido, é muito relevante, por exemplo, rediscutir a prerrogativa de certas instituições de escolherem seus próprios dirigentes, seus próprios pares, pois o interesse público – e permanente – deveria vocacioná-las prioritariamente para o atendimento das necessidades da população, e não para a satisfação de seus próprios integrantes. Em outras palavras, as instituições públicas têm que estar voltadas para fora, têm que ser a caixa de ressonância dos anseios dos cidadãos, e não criarem mecanismos de proteção ou de autopreservação, erigindo barreiras ou se fechando em redomas, que sirvam de abrigo às aspirações de caráter particularista, ao individualismo.

 

Os governos têm grande responsabilidade pelo tratamento específico e casuístico dado às reivindicações de cada grupo de servidores. A falta de uma política de pessoal, em sentido amplo, e salarial, em sentido estrito, se evidencia pela falta de critérios, de diretrizes, o que provoca mais distorções e injustiças, pois tende a privilegiar os que causam mais estragos ao funcionamento da máquina estatal e mais prejuízos à população em geral. Ao tornar-se refém de certas corporações, o poder público acaba cedendo às suas pretensões e abrindo brechas, como, por exemplo, mais recentemente, em relação a determinadas categorias, atribuindo-lhes remunerações variáveis, tão ao gosto de certas correntes liberais, em função de produtividade, desempenho, retorno, como se devessem se beneficiar de uma espécie de participação nos lucros.

 

É, enfim, inaceitável que, decorridos mais de 28 anos da promulgação da Constituição Cidadã, ainda não se tenha regulamentado o contido no inciso VII do art. 37, que dispõe sobre o direito de greve, nos termos e nos limites a serem definidos em lei específica, ordinária.

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 13/01/2017

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