OPINIÃO

Marcelo Ximenes Aguiar Bizerril é professor e doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília.

Marcelo Bizerril

 

Em 16 de maio de 2017, a Faculdade UnB Planaltina (FUP) completará 11 anos. Apesar de inaugurada em 2006, a FUP está incluída no conjunto dos cerca de cem novos campi surgidos a partir de 2007 por meio do projeto de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Uma simples consulta aos sites das universidades federais brasileiras confirma que praticamente todas apresentam, hoje, um contexto multicampi. Sobretudo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste é expressivo o aumento dos campi, de tal sorte que algumas dessas universidades chegam a ter aberto quase uma dezena de campi na última década. Sabe-se que o Reuni resultou em um aumento de aproximadamente 70% das matrículas presenciais na rede federal, no entanto, os impactos desse investimento no desenvolvimento do país têm sido pouco estudados, discutidos e, de certa forma, valorizados. Basta ver a reduzida informação relacionada a esse assunto disponível no portal do Ministério da Educação.

Por outro lado, em nível global, as universidades têm sido chamadas a se posicionar diante de diversas demandas contemporâneas, tais como responsabilidade social, transdisciplinaridade, promoção do pensamento crítico e complexo, respeito à diversidade, inclusão, equidade e sustentabilidade. O atendimento a essas e outras demandas é necessariamente um processo que sugere mudanças profundas na forma tradicional de funcionamento da universidade, e é nesse sentido que os novos campi, por estarem em processo de criação e construção de novas culturas acadêmicas, podem e precisam assumir papéis importantes na promoção dessa esperada transformação.

No caso específico da FUP, desde 2010 temos formado semestralmente gestores (ambientais e do agronegócio) e educadores (do Campo e em Ciências Naturais), além da oferta de quatro programas de pós-graduação com mestrados e um doutorado. Todos os cursos ofertados na FUP apresentam abordagens interdisciplinares. A maior parte dos estudantes desses cursos é de Planaltina e da região próxima no Distrito Federal e Goiás (Sobradinho, Planaltina de Goiás, Formosa, Cavalcante, entre outros), e são muitos os casos em que os estudantes são os primeiros membros da família a obter um diploma do ensino superior. Os egressos da FUP começam a se destacar nos seus setores de trabalho e vários estudantes têm podido ampliar sua visão de mundo e redirecionar seus destinos a partir de experiências fora do DF, ou até do país, por meio das atividades de campo das disciplinas ofertadas no campus ou da apresentação de suas pesquisas em encontros científicos. Não tenho dúvidas de que a FUP esteja dentre os campi mais inclusivos do país.

Além disso, o campus tem uma estrutura diferenciada da tradição universitária brasileira, pois para exercer a interdisciplinaridade na prática cotidiana dos seus cursos, adotou uma estrutura sem departamentos, experiência bem sucedida e também adotada por outras jovens universidades brasileiras como a Universidade Federal do ABC, e os campi da UnB de Ceilândia e Gama. A relação com a sociedade é outro ponto forte da FUP, expressa nos diversos projetos de extensão (realizados em parcerias com escolas, assentamentos, cooperativas, rádio comunitária etc.), na atuação junto aos movimentos comunitários (com participação no Conselho de Segurança, em atividades de fortalecimento e defesa do Centro Histórico de Planaltina e do Parque Sucupira entre outros), e na abertura do campus para a comunidade (sediando festivais de música, atividades da Secretaria de Educação, da Estação Ecológica de Águas Emendadas, propiciando condições para aqueles que querem usar o espaço da FUP para estudar para concursos, assim como se preparar para o Enem, ou para a prática de atividades físicas). A FUP também tem organizado e sediado diversos eventos científicos de âmbito nacional e internacional, atraindo palestrantes e personalidades de renome para Planaltina.

Quem conhece e vivencia o cotidiano da FUP sempre terá algo de bom a dizer sobre o campus. É certo que os órgãos de comunicação da UnB, sobretudo Secom e UnBTV, têm gerado diverso material sobre essas atividades da FUP e dos demais campi ao longo dos anos, mas o que percebemos é que essas matérias não tem gerado interesse na grande mídia, que não repercutiu praticamente nada do resultado do trabalho realizado até então.

As poucas notícias que temos lido na grande mídia nos últimos anos sobre a FUP repetem um padrão da imprensa brasileira de destacar os fatos de caráter denunciatório, o que induz o leitor a uma percepção reducionista e enviesada da universidade, que se traduz em um suposto “serviço público de qualidade duvidosa”. Assim, as manchetes publicadas nesses veículos não celebraram a inauguração do Restaurante Universitário, mas destacaram a denúncia da presença de um elemento estranho em uma das refeições servidas; não falaram da utilização dos espaços do campus pela comunidade para leitura e estudo, mas do fechamento provisório aos domingos; não comemoraram o investimento de milhões de reais na periferia de Brasília, mas destacaram os transtornos causados pelos atrasos nas inaugurações dos prédios; não deu voz os movimentos de protesto em defesa da educação pública, mas repercutiu os possíveis prejuízos gerados pela paralisação das aulas. Esses fatos obviamente não estão relacionados especificamente à FUP, ou aos novos campi, mas à universidade pública de modo geral que segue tendo destaque na mídia dividido entre os processos de seleção (vestibular, Enem, PAS) e, sobretudo, as más notícias.

Um fato inegável – a que a imprensa ainda não deu o devido valor – é que os novos campi das universidades federais estão promovendo uma verdadeira revolução silenciosa no país, ampliando o acesso ao ensino superior, mudando o perfil do jovem universitário, aumentando a produção de conhecimento sobre fatos e regiões antes ignoradas pela academia, enfim, aproximando a universidade da sociedade. Se três novos campi da UnB têm provocado tantas mudanças no Distrito Federal, o que se poderá esperar dos demais cem novos campi espalhados por todo o país?

Não duvido que o silêncio seja o principal tratamento que a grande imprensa tenha dispensado a maioria deles, e que entre as motivações para tal atitude esteja o interesse de alguns no enfraquecimento das instituições públicas, particularmente as universidades, que tanto incomodam aos governos, quaisquer que sejam, pela força de sua diversidade e liberdade de opinião. Mas também não deve ser subestimada a clara preferência da mídia brasileira pela notícia que gera indignação, seja nos grandes temas de interesse nacional, seja nas pequenas desavenças domésticas. E, assim, em vez de notícias possibilitarem aos cidadãos oportunidades de reflexão sobre a realidade do país, atuam como meros anunciadores de violência, corrupção e intrigas, a ponto de gerar uma sensação generalizada de revolta, mas também de impotência.

Como cidadão e professor que vivencia a universidade pública e sua expansão, não posso me conformar com esse tratamento. Por isso, nada mais justo que aproveitar o aniversário do campus para insistir na cobrança dos veículos de comunicação por uma cobertura digna do nosso trabalho, pautada no respeito e na responsabilidade para com as universidades públicas e o esforço gigantesco que o país realizou nesse processo de expansão. Que venham as novas manchetes sobre as universidades públicas, trazendo mais reflexão, verdade e esperança para os brasileiros. 

Campi das universidades federais brasileiras em 2002 e em 2010. As siglas indicam as sedes das universidades e os pontos indicam os novos campi. Fonte: Ministério da Educação. Adaptado de Brito, L.C. A importância dos estudos sobre interiorização da universidade e reestruturação territorial. Espaço e Economia – Revista Brasileira de Geografia Econômica, 2(4), 2014. Disponível em: https://espacoeconomia.revues.org/802

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