OPINIÃO

Dioclécio Campos Júnior é professor emérito da Universidade de Brasília, doutor em Pediatria e membro titular da Academia Brasileira de Pediatria.

 

 

Dioclécio Campos Júnior

 

Pátria já era. É conceito ultrapassado. Não vai além do país no qual se vive em definitivo ou provisoriamente, dependendo de onde as condições necessárias ao bem-estar sejam realidade. As fronteiras tornam-se simbólicas. Não resistem à expansão do pensamento humanista que abre caminhos para a globalização. É o horizonte mais iluminado da história da humanidade. Projeta uma sociedade humana na dimensão global que lhe é inerente.

 

Pátria não é ente educador. Restringe-se a territórios invadidos, ocupados e colonizados ao longo de uma trajetória em que sempre prevaleceu a lei do mais forte, exatamente a que rege as relações das espécies animais. Tem sido sinônimo do poder exercido pelo Estado em nome de dogmas ideológicos que se sucedem no comando comportamental das pessoas. Capitalismo, comunismo, consumismo, populismo são exemplos do que representa, de fato e de direito, a pátria. Educar nessa lógica não contribui para que a espécie seja mais humana e menos animal.

 

A educação é atributo a ser cumprido pela sociedade, livre de visão ditatorial que deturpe a iniciativa em favor de interesses voltados para a perpetuação do status quo. Não é simplesmente construir escolas. Nem tampouco ampliar a duração de permanência do aluno em espaços desprovidos dos requisitos inegociáveis para sua formação. Educar é ação de gente, não de prédios, carteiras, lousas, projetores, computadores, tabletes etc. Sua versão vem do latim, idioma que remonta a distante passado. Naquela época, educare reunia dois sentidos. O primeiro, próprio, significava criar, amamentar (Cic. Lae. 75); o segundo, figurado, correspondia a instruir, ensinar (Cic. Rep. 1,8). É a definição completa a ser retomada para que o ser humano receba uma educação corretamente concebida e executada.

 

A primeira fase do processo educativo é a vida intrauterina. Requer prevenção de estresse. A gestante deve ser respeitada e apoiada seja pelo nobre papel que exerce, seja pelo direito do feto ao desenvolvimento pleno de seus órgãos e funções, particularmente o cérebro. A ação dos hormônios produzidos pelos estressores sobre o organismo materno pode deixar marcas indeléveis na arquitetura cerebral do nascituro, prejudicando fortemente sua capacidade de aprendizagem.

 

Após o nascimento, a educação iniciada na gravidez não deve ser interrompida. O recém-nascido deverá continuar poupado da exposição ao estresse para que seu potencial cognitivo não seja cerceado. Da mesma forma, a nutrição ideal do leite materno há de ser-lhe assegurada. É período no qual, segundo a etimologia latina, educar é amamentar. Não apenas fornecer o leite humano, mas principalmente o afeto, o aconchego do colo, o contato pele a pele, a linguagem carinhosa, o calor materno, a troca de olhares que transbordam sentimentos e estímulos cordiais. É o cenário com o mais baixo índice de estresse. A educadora-titular neste ciclo tão decisivo é uma só. Chama-se mãe. Assim cresce e se diferencia o cérebro da criança num ritmo de conexões neuronais inimaginável. É quando o ser humano mais sabe aprender durante toda a existência. Se esta oportunidade lhe for negada, chegará à pré-escola com nível intelectual aquém do esperado. Para que o direito à educação seja garantido ao bebê, o único recurso eficaz é a licença-maternidade de pelo menos um ano, coadjuvada pela licença-paternidade de pelo menos um mês, a fim de que o pai possa realizar o papel de educador-assistente no principal período adaptativo em que sua participação é de inestimável valor.

 

Nas etapas seguintes, a qualificada profissão do magistério tem que ser remunerada como a mais importante da sociedade. É a que cumpre o sentido figurado do educare, ou seja, instruir e ensinar, reproduzindo as virtudes e valores imanentes à maternidade e à paternidade, na versão pedagógica apropriada, que incluem afeto, competência e proteção contra o estresse. A pátria tem outra visão. Entende que educar é mero sinônimo de escolarizar. Daí o fracasso que se pensa corrigir por medidas tais como a redução da maioridade penal; redução da maioridade laboral; e a legalização do porte e consumo de drogas ilícitas. Nada disso tem a ver com a estimulação educacional legítima a que toda criança tem direito.

 

Em síntese, a atividade materna é o cerne da verdadeira educação do novo ser. Cabe, portanto, à sociedade conferir à mulher-mãe o destaque prioritário que merece e conceder-lhe o pagamento a que faz jus como protagonista insubstituível do processo educativo humano e transformador.

 

Publicado originalmente no Correio Braziliense em 15/9/2015

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