OPINIÃO

Paulo Cesar Marques da Silva é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília. Doutor em Estudos de Transporte pela Universidade de Londres, mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e graduada em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é chefe de gabinete da reitora da UnB.

Paulo César Marques da Silva¹

 

A Lei nº 4.462, de 13 de janeiro de 2010, que instituiu o passe livre estudantil no Distrito Federal, tem lá suas limitações, mas sempre foi considerada um importante instrumento de política educacional. É, certamente, um dos dispositivos mais avançados do Brasil em termos de conceito e mesmo de operacionalização. Como tudo na vida, contudo, a lei merece sempre ser aperfeiçoada, e não faltam propostas para tanto.

 

Um aspecto que sempre vem à tona nos debates sérios entre as pessoas que atuam nas áreas de mobilidade ou de educação — ou em ambas, como no meu caso — diz respeito à natureza desse tipo de política, em suas múltiplas dimensões. Uma primeira dimensão, cujo exame pode ser esboçado aqui neste curto espaço, diz respeito a ser uma política universal ou focada. Como está na lei, o Passe Livre pretende ser universal, uma vez que abrange “estudantes do ensino superior, médio e fundamental da área urbana, inclusive alunos de cursos técnicos e profissionalizantes (...) e alunos de faculdades teológicas ou de instituições equivalentes, os quais residam ou trabalhem a mais de um quilômetro do estabelecimento em que estejam matriculados” (art. 1º, caput), estendendo-se ainda “aos estudantes que estejam realizando estágio obrigatório, computando-se o trajeto residência/escola/estágio/residência para esse fim [e] aos estudantes da área rural atendidos na forma da legislação e regulamentos específicos” (§ 5º. do mesmo artigo).

 

Uma segunda dimensão poderia identificar o quanto a política entende a educação de forma global. Aqui, eu lamento reconhecer que a lei é muito limitante, praticamente reduzindo a formação do educando a frequentar a sala de aula. Isso se reflete, por exemplo, no § 2º. do mesmo art. 1º, quando estabelece que “a gratuidade referida neste artigo se estenderá a qualquer horário e qualquer itinerário, dentro do limite comprovado pelo estudante, sem aumento na quantidade de passes”, limitando o benefício “a 54 (cinquenta e quatro) viagens por mês e por estudante, durante o período letivo” (art. 4º).

 

Estudantes, docentes e gestores da UnB bem sabem quão difícil é assegurar o Passe Livre para cursar disciplinas no semestre de verão ou participar de pesquisas e projetos de extensão fora dos períodos de aula. Isso para não falar que frequentar museus, bibliotecas, teatros etc. também faz parte da formação do educando, independentemente de esses estabelecimentos estarem ou não localizados no caminho da escola.

 

Esse acúmulo de reflexões não é recente. Vem de um tempo muito anterior à própria lei e subsidiou boa parte dos debates que se travaram por ocasião de sua publicação há oito anos. Por isso mesmo é de se lamentar que o tema tenha passado tão longe dos discursos ouvidos na última campanha eleitoral. Ainda que condicionado pelas dinâmicas próprias das disputas por votos, o confronto de propostas teria sido certamente bastante elucidativo sobre tópicos fundamentais de nossas vidas, tais como o financiamento dos serviços de transporte e o direito à cidade.

 

Se as candidaturas não pautaram tais temas e acabamos perdendo a oportunidade do debate durante a campanha, seria legítimo esperar que ele se travasse a partir do início do ano legislativo, revisitando as bases conceituais da política do Passe Livre Estudantil e estudando seus impactos à luz dos objetivos de inclusão social e universalização do acesso à educação.

 

Por isso causa profunda estranheza que o governador Ibaneis Rocha apresente de forma tão abrupta a intenção de restringir o direito, ainda que sob o argumento da economicidade. Não se conhecem os dados que poderiam justificar a proposta. Por exemplo, qual é o perfil socioeconômico do estudante que usa o Passe Livre? Em quanto seria reduzido o custo do sistema caso os estudantes de alta renda sejam dele excluídos? Quanto custaria avaliar (e fiscalizar) a condição socioeconômica dos candidatos ao Passe Livre?

 

Prezado governador, acho que tenho uma ideia melhor. Por que, em lugar de prosseguir por esse caminho, o senhor não propõe um estudo sistêmico sobre os benefícios que o Passe Livre proporciona à educação? Oito anos de vigência da Lei nº 4.462 já produziram um ótimo material de trabalho, que permite construir cenários os mais diversos. Inclusive ampliando o alcance da lei. Tenho certeza de que uma chamada assim despertaria tanto interesse no meio acadêmico que a pesquisa custaria muito pouco ao GDF. E o resultado, robusto, orientaria as políticas educacionais e de mobilidade, não só durante seu governo, mas por muitos anos além dele. Pense nisso, governador.

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¹Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), doutor em Estudos de Transportes pela University College London (Inglaterra)

 

Publicado originalmente no Correio Braziliense, em 23/01/2019

 

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