OPINIÃO

Dioclécio Campos Júnior é professor emérito da Universidade de Brasília, doutor em Pediatria e membro titular da Academia Brasileira de Pediatria.

 

 

Dioclécio Campos Júnior¹

 

A nação brasileira não pode desprezar as belas riquezas históricas produzidas no seu passado. Muitas delas são indispensáveis ao cultivo do perfil humano, a ser reconstruído nos tempos atuais. No entanto, dada a sucessão ininterrupta das graves crises que vêm destruindo o país, esboça-se o risco da dissolução completa de sua brasilidade verdadeira.

 

A turbulência mental que afeta terrivelmente a população, dificulta, cada vez mais, o exercício do ato de pensar, prática sem a qual a sociedade vai sendo amplamente desconstruída. Cidadãos sobrevivem numa relação desprovida de referências morais e éticas que harmonizam a base da convivência pacífica entre as pessoas. A falta de educação amplia o terreno do desrespeito, fortalece o clima da violência e exorta o destempero da destruição.

 

A criatividade construtiva sofre intensa retração diante de um cotidiano marcado pela crueldade criminosa, que aterroriza os habitantes de todas as regiões do território nacional. Desigualdade social assume dimensões nunca dantes navegadas. Iniciativas de mudanças profundas na estrutura do Estado, com vistas a reduzir tamanha iniquidade, não são sequer discutidas. Concentração da renda, nas mãos de poucos, prevalece como um indicador intocável.

 

A selvageria do imediatismo inspira parâmetros comportamentais de crescente agressividade que contamina o relacionamento interpessoal. Paz e serenidade abandonam a maioria dos ambientes sociais. Relações fraternas perdem sentido porque já não dispõem da respeitabilidade recíproca em que são baseadas. A prática do diálogo, a ser exercida com as virtudes humanas que harmonizam ideias e opiniões divergentes, vai sendo substituída pela ditadura do individualismo, que busca imperar sobre visões destoantes de suas posturas egocêntricas. Torna-se claro que o nobre princípio da alteridade deixou de prosperar na alma da população do país.

 

Os índices de criminalidade alcançam dimensão assustadora que não para de aumentar. Atingem principalmente as faixas mais jovens da população, elevando assim o número de anos potenciais de vida perdidos por cada 100 mil habitantes. É uma forma de pandemia que requer ações preventivas destinadas a desmontar o império da desigualdade social, incluindo os mais altos investimentos em projetos de educação igualitária, de elevada qualidade, em todo o país.

 

Essa trágica e desumana realidade transtorna a maravilha territorial do Brasil, que precisa ser reconhecida como um gigantesco privilégio no planeta. Não apenas pelas suas primorosas paisagens, mas também, e sobretudo, pela incomparável riqueza natural que possui. O desencontro entre a riqueza ecológica e a pobreza humana não pode mais persistir. É vergonhosa contradição a ser corrigida em favor de uma sociedade que dispõe de condições para ser uma das mais saudáveis do mundo.

 

A geração atual e as próximas devem retomar a iluminada trilha do grande sonho que inspirou a criação de um Brasil liberto do colonialismo. Os símbolos concebidos para comemorar o nascimento do país são de incomparável beleza. Brotaram do âmago do coração nacional, que pulsava com a leveza do esplendor humano em sintonia com a verdade universal. Projetam os grandiosos valores sociais que a recém-nascida nação haveria de cultivar, inspirada na harmonia da riqueza natural envolvente. Fazem vibrar os mais finos tons do humanismo civilizatório. Enaltecem o amor a ser transmitido na sua dimensão cósmica como instrumento unificador dos seres humanos.

 

A definição mais consistente do que deve vir a ser o Brasil está clara e poeticamente descrita nos versos que compõem a letra do hino nacional, valendo destacar: “Brasil, de amor eterno seja símbolo o lábaro que ostentas estrelado, e diga o verde-louro dessa flâmula —  paz no futuro e glória no passado!”. A bandeira brasileira é marcada por admirável expressão conceitual e filosófica, que a situa entre as mais expressivas do planeta. Belíssimas cores que a compõem testemunham os brilhantes fulgores da dadivosa natureza que privilegia o país, em terra, céu e mar. “Ordem e progresso” é o lema oriundo da obra do filósofo francês Auguste Comte, um dos criadores do positivismo como consistente conjunto de pensamentos capazes de nortear a sociedade humana. A expressão é extraída de uma das famosas frases do filósofo: “O princípio de tudo é o amor; a base é a ordem; e o progresso, um objetivo”. Em outras palavras, sem amor não há ordem nem progresso. Somente o altruísmo reconstruirá o Brasil com alma humana, sem arma.

 

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¹ Professor Emérito da Universidade de Brasília. Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, é mestre e doutor em Pediatria, ambos pela Universidade Livre de Bruxelas. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria e presidente do Global Pediatric Education Consortium(GPEC).

Publicado originalmente no Correio Braziliense em 7/02/2019.

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