OPINIÃO

Liza Andrade é professora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, líder do Grupo de Pesquisa e Extensão Periférico, trabalhos emergentes e vice-líder do Grupo de Pesquisa “Água e Ambiente Construído”. Coordena o projeto “Brasília Sensível à Água” que vem estudando o estado crítico da situação das águas do Distrito Federal no contexto das mudanças climáticas e do Bioma Cerrado

Liza Maria Souza de Andrade¹

 

 

A gestão das águas urbanas dos municípios brasileiros, a exemplo de Brasília, caracterizada por uma visão pouco integrada, com adoção de soluções tradicionais e ultrapassadas de drenagem urbana, não está adequadamente sensibilizada para enfrentar as mudanças climáticas, como a tempestade que ocorreu no dia 21 de abril de 2019, no aniversário da cidade.

 

A cidade moderna planejada, apesar de reconhecida como cidade parque foi construída no modelo “tabula rasa” com a retirada da vegetação nativa. A vegetação exótica introduzida não possui adaptação natural ao bioma, suas raízes são mais superficiais, não tem a mesma capacidade de infiltração de água como as espécies do Cerrado, que com o complexo sistema de raízes absorve a água e alimenta os lençóis freáticos e aquíferos em grandes profundidades.

 

O júri que elegeu o projeto de Lúcio Costa para implantação da capital considerou o Plano Piloto distante do Lago Paranoá, o que acarretou em mudanças no projeto original com um avanço de cerca de 600 metros em direção à orla. Apesar de o projeto de Lúcio Costa ter como princípio básico a adequação às curvas de nível, foi necessário fazer aterro, terraplenos e viadutos para acompanhar os grandes eixos rodoviários e suas vias largas que correspondem aos ideais de transporte individual.

 

Mesmo com extensas áreas verdes vazias, a capital possui um sistema obsoleto de drenagem com grandes galerias que carreiam os detritos para os cursos d’água. Como consequência, observa-se uma incapacidade do sistema em conter o escoamento superficial que chega com grande velocidade pelas vias perpendiculares à asa do avião na parte mais baixa, onde se localiza o ICC na UnB na Asa Norte. Além disso, os grandes gramados, durante o pico da chuva, tornam o solo impermeável, retardando o processo de infiltração.

 

Se por um lado as tempestades do mês de abril causaram inundações pela cidade, por outro deixaram os reservatórios de água do DF em situação bem favorável, operando com quase 100% de sua capacidade. Paradoxalmente, em janeiro de 2017, em plena estação chuvosa, os reservatórios chegaram a operar com 20% da capacidade, obrigando o Governo de Brasília a decretar situação de emergência hídrica no Distrito Federal e impondo à população o racionamento de água.

 

Além dos efeitos das mudanças climáticas, a cidade planejada para o automóvel vem sofrendo com o desmatamento do Cerrado, a degradação socioambiental, assoreamento de mananciais e nascentes, excessiva impermeabilização do solo, com construções de novas vias, viadutos e possibilidades de novas expansões urbanas em áreas sensíveis, como as planejadas para a Serrinha do Paranoá, região produtora de água na Bacia do Paranoá.

 

Por falta de uma política habitacional efetiva para a classe de renda mais baixa, alto custo da terra que impossibilita o acesso à moradia em regiões centrais, as ocupações urbanas periféricas incidem sobre áreas rurais ou de preservação ambiental, denominadas “desordenadas” pelo governo. Com ligações “clandestinas”, não recebem os serviços de saneamento, sem a regularização, gerando impactos na saúde dessas populações e dos ecossistemas.

 

As ações previstas para o enfrentamento da crise hídrica ainda são soluções pontuais, distante de uma visão mais integrada para restabelecer o ciclo da água urbano e revitalizar a bacia hidrográfica, diferente das soluções já adotadas no mundo desenvolvido. A Austrália, por exemplo, durante o período de crise hídrica grave, conhecido como a “Seca do Milênio”, criou um programa nacional para promover cidades sensíveis à água, o WSUD Water Sensitive Urban Design (Desenho Urbano Sensível à Água). Os resultados foram muito positivos e o programa tornou-se referência mundial, inclusive com experiências em assentamentos informais em países asiáticos.

 

As políticas de planejamento, uso do solo, preservação ambiental, habitação, transporte, energia, resíduos são integradas à gestão, proteção e conservação do ciclo urbano da água. A paisagem é desenhada para gerenciar fluxos e reciclar a água com técnicas de infraestrutura ecológica: biovaletas, jardins de chuva, bacias de infiltração, sistemas de biorretenção ou bioinfiltração, alagados construídos, bacias de detenção ou retenção e telhados verdes. Todos os locais da cidade, incluindo edifícios, estradas, caminhos e espaços abertos são utilizados para promover a gestão total do ciclo urbano da água.

 

Isso é o que sonhamos para Brasília Sensível à Água, um futuro sem inundações, sem escassez hídrica e com inclusão social!

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¹Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, líder do Grupo de Pesquisa e Extensão Periférico, trabalhos emergentes e vice-líder do Grupo de Pesquisa Água e Ambiente Construído. Coordena o projeto Brasília Sensível à Água que vem estudando o estado crítico da situação das águas do Distrito Federal no contexto das mudanças climáticas e do Bioma Cerrado.

 

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