OPINIÃO

Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

Isaac Roitman¹

 

O reconhecimento da importância do papel da educação e da ciência na sociedade tem mobilizado os governos de quase todos os países no sentido de implementar políticas que consolidem o fortalecimento dessas áreas. No Brasil, infelizmente, não avançamos na conquista de uma educação de qualidade para todos e estamos freando perigosamente o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, com avanços importantes nas últimas décadas.

 

O primeiro Plano Nacional de Educação foi um fracasso. O segundo plano parece seguir na mesma trilha por falta de uma visão de longo prazo e de recursos. Essa falta de visibilidade de resultados é desalentadora para os muitos que labutam na área de educação. Encontramo-nos em quadro de imensa desigualdade social, com uma parcela considerável da população marginalizada, sem condições dignas de moradia, sem acesso a serviços de educação e saúde de qualidade, sendo muitas vezes exposta aos riscos de ambientes marcados pela falta de ética e a violência. Nesse contexto, a educação de qualidade surge como a única saída para livrar o indivíduo do círculo vicioso em que se encontra, na medida em que promove a conscientização dos seus direitos e atitudes, além, evidentemente, de desenvolver competências e habilidades para que lhe possam ser úteis no campo profissional.

 

Nosso modelo econômico, como exportadores de commodities, não é sustentável em uma era em que a biotecnologia, a nanotecnologia e a inteligência artificial avançam com uma velocidade extraordinária. O desenvolvimento de nosso sistema de ciência e tecnologia permitiria a interrupção da exportação de nossos recursos naturais por exportações de inovações tecnológicas, produtos da ciência e inteligência brasileira.

 

Decisões recentes do Governo Federal causam grande preocupação. Foram contingenciados R$ 29 bilhões do orçamento federal de 2019. O Ministério da Educação foi o mais afetado com um congelamento de R$ 5,8 bilhões, cerca de 25% do orçamento original. No Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações, foram retidos R$ 2,1 bilhões, que representam 42% do total previsto para 2019. O sinal vermelho é bem visível.

 

O contingenciamento afetará as principais agências de fomento, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Se o processo não for revertido, as bolsas serão reduzidas e as pesquisas serão interrompidas. Certamente, haverá evasão de cérebros, perdendo, o país, o seu principal capital para o desenvolvimento social e econômico.

 

Os temas de educação e ciência não podem ser colocados somente, como ocorre, no cardápio das promessas dos candidatos a cargos no governo. A estagnação ou retrocessos nos nossos sistemas educacional e científico comprometerão o futuro das próximas gerações e do país. As soluções estão à disposição para o estabelecimento de uma política de estado de longo prazo que poderá redundar em uma verdadeira transformação social. Reduzir investimentos nessas áreas é bloquear um futuro virtuoso, uma falta de visão estratégica, uma insanidade. A educação vai gerar ciência, que vai gerar tecnologia, que vai gerar inovação. Não entender a importância da educação e da ciência vai comprometer a nossa soberania.

 

É pertinente lembrar alguns pensamentos que reforçam a importância da educação e da ciência: "Ainda é difícil convencer as pessoas de que a inovação começa na educação de base", Cristovam Buarque; "Tudo em ciência e tecnologia começa com a educação de jovens", Marcelo Gleiser; "A inovação não se faz sem ciência e ciência não se faz sem educação", Luiz Antônio Elias.

 

As entidades ligadas à educação e à ciência, sobretudo a Associação Nacional dos Dirigentes do Ensino Superior (Andifes), a Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) estão se mobilizando para reverter esse retrocesso que compromete o futuro do país. É muito importante que a juventude brasileira, por meio de suas entidades representativas, se mobilizem. Se nada fizerem para interromper o processo da educação e da ciência continuarem ladeira abaixo, vão comprometer o seu futuro. Vamos todos dizer não a esse retrocesso.

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¹ Professor emérito da Universidade de Brasília, doutor em Microbiologia, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro (n.Futuros/CEAM/UnB), membro titular de Academia Brasileira de Ciências. Ex-decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, ex-diretor de Avaliação da CAPES, ex-coordenador do Grupo de Trabalho de Educação, da SBPC, ex-sub-secretário de Políticas para Crianças do GDF. Autor, em parceria com Mozart Neves Ramos, do livro A urgência da Educação.

Publicado originalmente no Correio Braziliense em 13/5/2019.

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