OPINIÃO

Renato Baumann

 

O sucesso de um agrupamento de países - que por definição implica a busca de convergência entre histórias e realidades distintas - é tão mais provável quanto mais intenso o envolvimento dos agentes econômicos e políticos de cada país em esforços com direção convergente, e quanto mais claramente os agentes econômicos e políticos dos demais países consigam identificar unidade naquele exercício.

 

Clareza de rumos ajuda os trabalhos do corpo técnico de cada país, ao mesmo tempo em que uma percepção externa de algo coerente ajuda no relacionamento e eventuais negociações com terceiros países. As Declarações que se seguem às reuniões de cúpula são uma bússola importante nesse sentido.

 

Na quinta-feira, dia 9 de julho, os chefes de Estado dos cinco países que compõem o grupo Brics terão, na cidade de Ufa, na Rússia, sua sétima reunião de cúpula. A esta altura, é claro que as equipes técnicas dos cinco governos já estão ultimando os textos a serem aprovados pelos líderes. Nunca é tarde, contudo, para algumas considerações.

 

O grupo dos Brics é ainda uma criatura em formação. Seria de grande valia se os chefes de Estado sinalizassem de forma clara seus objetivos imediatos e os propósitos de longo prazo, para fixar sua imagem junto a terceiros países

 

A experiência de aproximação dos cinco países até aqui permite contrapor alguns aspectos claramente positivos com alguns riscos potenciais.

 

O lado do "copo meio cheio" certamente compreende a percepção de que existe um significativo potencial de complementaridade entre as cinco economias, a relativa certeza de que persiste a vontade política de promover a aproximação entre esses países, alguns resultados concretos importantes, como o acordo de contingenciamento de reservas, a criação do Banco de Desenvolvimento e a aprovação formal de alteração das quotas junto ao FMI (embora estes dois últimos ainda estejam por se materializar), e o fato de que o processo de aproximação entre esses países compreende dezenas de áreas, em que os técnicos têm se reunido de forma regular para identificar mecanismos que viabilizem intensificar a convergência entre os cinco países.

 

No âmbito técnico, as cinco instituições ´Think-Tanks´ oficiais dos Brics prepararam documento conjunto ("Uma Estratégia de Longo Prazo para os Brics - Uma Proposta do Conselho de Think-Tanks), que será submetido aos chefes de Estado na reunião de cúpula, com sugestões de medidas de médio e longo prazo que facilitem a convergência entre os cinco países, assim como contribuam para aumentar sua influência conjunta na governança global. Sua divulgação será feita após a apresentação formal aos líderes.

 

Já o lado "copo meio vazio" compreende alguns riscos: 1- de o exercício se converter em ´China mais quatro´, significando a tendência à aprovação de disciplinas que correspondam mais diretamente aos interesses da economia mais forte do grupo; 2- de o menor ritmo de crescimento dessas economias nos últimos anos afetar seu empenho em promover convergência; 3- de o Banco de Desenvolvimento não conseguir se consolidar como instituição financeira sólida, o que certamente afetaria a imagem do grupo de países; 4- de haver demanda excessiva por uma posição coesa do grupo, por parte de algum dos participantes eventualmente envolvido em conflito com terceiras partes; e (tão expressivo quanto os anteriores) 5- de o grupo perder o foco: a imagem do grupo ainda requer maior nitidez.

 

Este último risco e sua importância para a imagem do grupo merecem um esclarecimento. Ao compararmos as Declarações emitidas após cada uma das reuniões de cúpula chama a atenção o fato de que a primeira, em 2009, continha 16 artigos, essencialmente focados na governança global, enquanto a última, de 2014, tem 72 artigos mais um Plano de Ação com outros 23 itens, e trata de uma cesta variada de temas. Se essa for uma tendência, é de se temer quanto ao tamanho e grau de diversificação da Declaração a ser divulgada após a próxima reunião. O problema não é o tamanho em si, mas o fato de que grandes textos podem se referir a assuntos variados, às vezes dificultando a identificação de prioridades.

 

Embora a inclusão de diversos temas reflita interesses ou pressões internas em algum ou mais de um dos países, cabe perguntar até que ponto uma Declaração que abranja uma variedade grande de temas não afeta a sinalização dos líderes aos seus liderados quanto à identificação da direção desejada, assim como a imagem externa do grupo, se não explicita o rumo que pretende seguir.

 

É prática diplomática, quando se trata de um grupo de países, designá-los em ordem alfabética, para evitar sinalizar hierarquia de prioridades. Também é comum adotar o sistema de presidência rotativa (presidência ´pro tempore´) quando cada um dos países lidera o grupo durante um período, frequentemente um ano.

 

No caso dos Brics a ordem alfabética é substituída pela sequência do acrônimo. Assim, se no ano passado coube ao Brasil ´presidir´ o grupo, neste ano a presidência está com a Rússia, no próximo ano caberá à Índia, e assim sucessivamente.

 

Esse é um procedimento que evita ruídos diplomáticos, mas tem um custo implícito: cada país procura marcar sua presidência de alguma forma diferenciada.

 

É natural. O problema é quando isso se traduz na incorporação de mais temas e mais artigos na Declaração que se segue à reunião de cúpula. Um excesso de artigos pode afetar a nitidez na identificação dos reais propósitos do grupo. O risco de se perder o foco no processo pode se converter em custo, se afetar a sinalização de direção a ser seguida pelos corpos técnicos dos cinco países, e se comprometer a imagem externa do grupo.

 

Se a inclusão de vários temas é politicamente inevitável, tendo em vista as circunstâncias em alguns dos países, deveria ser possível que os objetivos principais fossem explicitados de forma inequívoca. Sempre se pode relegar a referência a alguns temas a anexos ao texto principal.

 

O grupo dos Brics é ainda uma criatura em formação e, como dito acima, sujeita a alguns riscos. Seria de grande valia se os chefes de Estado sinalizassem de forma clara seus objetivos imediatos e os propósitos de longo prazo, tanto para orientar o trabalho das equipes técnicas dos cinco países quanto para fixar sua imagem junto a terceiros países.

 

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 7/7/2015

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