OPINIÃO

Pedro Luiz Tauil é professor do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina, da Universidade de Brasília. Graduado em Medicina, mestre em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Medicina Tropical pela UnB. Atua na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia (epidemiologia e controle de malária, dengue e febre amarela e metodologia epidemiológica).

Pedro Luiz Tauil

 

Dengue é a principal doença reemergente no mundo. Mais de 2,5 bilhões de pessoas, habitantes de países tropicais e subtropicais, vivem em área de risco de contrair a doença. O que é doença reemergente? É aquela que, embora existindo há muitos anos, a partir de determinado momento, apresentou maior frequência ou maior gravidade. No caso de dengue, esse momento foi o fim da Segunda Guerra Mundial, quando, no Sudeste Asiático, pela destruição de muitos sistemas de abastecimento de água e por intensa e rápida migração rural-urbana, o principal vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti, encontrou facilidades para se reproduzir e manter altas densidades de infestação nas áreas urbanas.

Nas Américas, também houve a migração rural-urbana, que se iniciou na década de 1950, pela busca de melhores condições de vida nas cidades. A incidência de dengue ressurgiu inicialmente no Sudeste Asiático e, posteriormente, nas Américas, no fim dos anos de 1970. No Brasil, após mais de 50 anos sem registro da doença, em 1982 ocorreu uma epidemia na cidade de Boa Vista, Roraima, e em 1986, no Rio de Janeiro. Desde então, tornou-se doença endêmica, com anos epidêmicos, quando mais de 1 milhão de casos são notificados.

Outros fatores são associados ao ressurgimento da doença, como a deficiência na coleta regular do lixo e a disposição inadequada no meio ambiente; a irregularidade no abastecimento público de água; e as precárias condições de habitação de cerca de 20% da população de grandes e médias cidades, morando em favelas, mocambos, invasões e cortiços. Podem ser acrescentados ainda o sistema moderno de produção de mercadorias, privilegiando o uso de embalagens descartáveis de plásticos, latas e isopores, dispostos inadequadamente no meio ambiente, e o grande volume de veículos automotores, com o consequente elevadíssimo número de pneus usados, todos comportando-se como criadouros preferenciais para os mosquitos vetores da doença.

Se o aumento da densidade de infestação pelo mosquito é o maior fator de risco para a incidência de dengue, de onde veio o agente etiológico, o vírus? Sem dúvida, o incremento da frequência, intensidade e rapidez do transporte aéreo, terrestre e marítimo, facilitou a disseminação do vírus por meio de mobilização de indivíduos infectados na fase de transmissibilidade para os mosquitos. O mosquito vetor é ainda o único elo vulnerável da cadeia de transmissão de dengue. Não há vacinas preventivas eficazes nem tratamento viral específico. Estão em desenvolvimento vacinas protetoras, porém ainda não disponíveis no mercado.

Visando ao controle da febre amarela no seu ciclo urbano, 18 países nas Américas, entre eles o Brasil, eliminaram o mosquito de seus territórios num abrangente e exitoso programa, nas décadas de 1950 e 1960. Porém, era época em que as cidades não apresentavam as dimensões e a complexidade que têm hoje. A partir dos países que não conseguiram eliminá-lo, todos voltaram a ser infestados. Atualmente, nas Américas, apenas o Canadá e o território continental do Chile não registram a presença do Aedes aegypti.

Os métodos utilizados naquela época não têm se mostrado eficazes, por várias razões: 1) o grande número de prédios que precisam ser inspecionados quatro vezes ao ano exige uma quantidade de agentes de controle de endemias insuportável pelos serviços de saúde; 2) por razões de segurança, muitos prédios deixam de ser inspecionados, tanto nos bairros mais ricos, para evitar roubos, assaltos e sequestros, quanto nos mais pobres, onde o tráfico de drogas impede o livre trânsito dos agentes; 3) a inspeção dos prédios exige ainda uma supervisão da qualidade do trabalho dos agentes que é praticamente inexistente; 4) existe alta rotatividade dos agentes de endemias pelas difíceis condições de trabalho e falta de carreira profissional; 5) as larvas e os insetos adultos do A. aegypti têm apresentado resistência aos principais inseticidas disponíveis no mercado; e 6) as atividades de controle do mosquito dependem de articulação intersetorial, envolvendo comunicação, educação, saneamento básico, habitação, nem sempre fácil de ser conseguida e praticada.

Dessa forma, inovações científicas e tecnológicas são necessárias e estão em desenvolvimento, a exemplo da busca de vacinas e de métodos de controle vetorial mais eficazes. Entre elas, estão os A. aegypti transgênicos cujos machos fecundam fêmeas silvestres e as proles não conseguem se desenvolver até a fase adulta, reduzindo a densidade de infestação. Trata-se de tecnologia de origem inglesa.

Da mesma forma, são as pesquisas com mosquitos irradiados por raios gama que se tornam estéreis e não conseguem gerar proles nas fêmeas silvestres. Outra linha de pesquisa é a que se utiliza de A. aegypti infectados com uma bactéria (Wolbachia) não transmissível aos seres humanos, que tornam os mosquistos e suas proles incapazes de transmitir os vírus dengue a outros seres humanos. Trata-se de tecnologia de origem australiana em teste de campo pela Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

 

Publicado originalmente no Correio Braziliense em13/06/2015

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