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OPINIÃO

Luiz Martins da Silva é poeta, jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Graduado em Jornalismo, mestre em Comunicação, ambos pela UnB. Doutor em Sociologia - "sanduíche" UnB/Universidade Nova de Lisboa, pós-doutor em Serviço Social pela UnB. Ex-coordenador do projeto de extensão, SOS-Imprensa (leitura crítica da mídia), com vários livros publicados, trabalhou em diversos órgãos de imprensa. Atua nos temas: jornalismo, jornalismo público, jornalismo e sociedade, comunicação, comunicação pública, mobilização e cultura de paz, comunicação e mobilização social, cidadania planetária, cultura, mídia e política, ética na comunicação.

Luiz Martins da Silva

 

Nós, os ingênuos, mas não de todo pobres de espírito, votamos com o coração e no Brasil. Uma certa cegueira nos impede de racionalizar que o nosso voto adquire, no jogo político, outra dimensão, a revalidação estratégica do mesmo no panorama das disputas, palmo a palmo no tabuleiro dos partidos. Nosso voto, aos milhões, serve de lastro e legitimidade àqueles que nos representam e falam em nosso nome.

 

É próprio da política e dos políticos essa prática metonímica, da parte pelo todo. Falam em nome do povo, da pátria e dessa abstração multicolorida e multifacetada chamada Brasil. Na manhã seguinte, mal despojados das vestes olímpicas, os candidatos eleitos se deparam com a vida real e com a cruenta ginástica de adaptar um cobertor curtíssimo à amplitude das reivindicações e promessas.

 

Há várias décadas aumenta os fossos entre Estado, Governo, Sociedade, Comunidade e Cidadão. E se esse afastamento das placas tectônicas político-sociais já era ampla nos mais edulcorados cenários da social-democracia europeia, imagine-se nas geografias onde, de fato, elas não tiveram uma colagem consistente. Essa grande miragem sociológica que tem sido o Estado-providência já nasceu decadente nos rincões aonde mal acampou.

 

Dia desses, escutei de uma comentarista de rádio, a seguinte pérola, a propósito das imediatas medidas de austeridade econômica por parte do governo recém reeleito: “A política é qual violino, segura-se com a esquerda; toca-se pela direita”. Noutras palavras, uma coisa é o discurso de campanha; outra, a gestão da escassez, nas conjunturas nacional e global. A ressaca pós-eleitoral acomete feito a enxaqueca que é passar a enxergar sem os óculos 3D do otimismo e ver o mundo tremeluzindo de contingenciamentos: inflação represada; preços contidos; juros amordaçados; e quóruns vingativos no Congresso.

 

Não é que os políticos sejam seres alterados por injunções cromossômicas deformantes. Boa parte deles é composta de gente honesta, sincera e convicta de seus compromissos e responsabilidades. E, convenhamos, são as pessoas mais bem dotadas de jogo de cintura entre os mortais. Mas, uma coisa é uma coisa e outra coisa é o governo, que, por sua vez, não é propriamente o Estado e nem o poder.

 

Sem caixa, mas com legitimidade, os governos confiam no que lhes sobra em matéria de poder, essa dotação mágica definida por Weber como a capacidade de se fazer obedecer a despeito da disposição de quem obedece. E numa República e numa democracia, o poder é um caleidoscópio de pulverizações. No Brasil, por uma herança cultural e sebastianista, acreditamos que o Presidente da República é a própria instância imperial do poder. Ilusão. O presidente ou a presidenta são equilibristas, pulando de corda em corda bamba para se manter como fiel da balança em meio a tantas negociações e ainda sabendo que entre os negociadores há aqueles mais afeitos a negociatas do que propriamente ao interesse coletivo.

 

Reformas? Isso lembra uma frase do filósofo Giordano Bruno, muito citada por Ulisses Guimarães: “Que ingenuidade, propor a mudança do poder aos poderosos!”. Mas, nesse cabo de guerra em que se envolvem protagonistas como PT, PMDB e PSDB, marcado pelo toma lá da cá, quinhão da governabilidade, que poder tem a sociedade, em nome da qual todo o script é encenado? E o cidadão, retoricamente erigido como rei, pode o quê? E a imprensa, que deveria ser um espaço público, garante de uma esfera pública? A imprensa, nas últimas eleições, mostrou-se e demonstrou-se como o maior de todos os cabos eleitorais, ainda que atuando institucionalmente como um moderador de debates.

 

Não resta ao cidadão senão a alternativa de organizar-se em sujeitos coletivos. Somente a sociedade civil organizada (que pleonasmo!) poderá encontrar formas de aproximar as margens desses fossos que separam Estado, Governo, Economia e Política. Formas de cobrar compromissos de campanha. De se pronunciar de forma eloquente quanto as suas indignações. Caso contrário, serão, outra vez, as hordas, os vândalos, os black-blocks, a anomia dos arrastões e até mesmo da petulância desse grande monstro subterrâneo da cena brasileira, que é o crime organizado. De qualquer maneira, que foi eleito tem a direito a um Estado de Direito. E, com ele, o sossego que deve assistir àqueles que são legítimos. Na próxima eleição, cobra-se a promissória das decepções. Juros embutidos.

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