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OPINIÃO

Alexandre Pereira da Rocha é doutor em Ciênciais Sociais pelo Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas (CEPPAC), da Universidade de Brasília.  Graduado e mestre em Ciência Política pela UnB. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência, criminalidade, polícia, estudos comparados.

Alexandre Pereira da Rocha

 

Militantes jihadistas, numa defesa de um Estado Islâmico do Iraque, têm promovido cenas de terror. Recentemente foram divulgados vídeos mostrando a decapitação de jornalistas norte-americanos. Tal fato gerou sentimentos de revoltas pelo mundo afora. Enquanto isso outra rebelião estoura num presídio brasileiro e mais um presidiário é decapitado. Pouco disso é divulgado.

 

Vale aqui evocar a canção de Caetano Veloso, “O Haiti é aqui”, na qual o poeta nos convida para subir no adro e refletir sobre os contrassensos da sociedade brasileira. Ao mesmo tempo em que nos comovemos com a desgraça alheia, por exemplo, a do povo haitiano, ignoramos as mazelas no quintal de casa. Por isso, ele canta: “O Haiti é aqui, o Haiti não é aqui”. Podemos dizer, então: o Iraque é aqui, o Iraque não é aqui.

 

Como as belas canções que embalam nossas vidas jamais envelhecem, as contradições que povoam o Brasil tardam em ser eliminadas. Por motivos diferentes elas resistem. Assim é chocante ver uma pessoa sendo decapitada por terroristas jihadistas, mas é aceitável ver cabeças de presidiários sendo amontoadas a cada rebelião nas cadeias brasileiras. É como se esses marginais não possuíssem nenhum espírito ou direito. Portanto já versou o sambista Jorge Aragão: “O Iraque é aqui”.

 

Não é novidade. Outra rebelião. Outro preso decapitado. Desta vez o fato aconteceu no presídio de Parintins, no Amazonas. Motivação: superlotação, condições subumanas, disputas entre facções. As razões divulgadas na mídia são as mesmas de outras rebeliões. O que pouco se denuncia é que as prisões formam um quadro abreviado das discriminações do país, porquanto lá atrás das grades está a grande parte dos fracassados e desajustados de uma sociedade desigual em desenvolvimento.

 

Nessa linha, há poucos meses o presídio de Pedrinhas, no Maranhão, ganhou destaque nacional e internacional pela barbaridade com que presidiários foram mortos e decapitados por seus pares. A cena de horror foi filmada de um aparelho celular pelos próprios algozes. Em agosto deste ano, na penitenciária de Cascavel, no Paraná, quatro presos foram mortos, sendo que dois decapitados. Nem é preciso relembrar os 111 mortos de Carandiru para rezar que o Iraque é aqui.

 

Numa sociedade que defende que “bandido bom é bandido morto”, a quantidade de cabeças de presidiários rolando é irrelevante. Mas um estudo recente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) indica que as cifras são preocupantes. Ora, entre fevereiro de 2012 e março de 2013, foram registradas 121 rebeliões e 769 mortes em 1.598 estabelecimentos penais. No espaço de pouco mais de um ano, na média, ao menos um presidiário foi morto dentro de prisões brasileiras por dia.

 

Outra contradição. Num país que não possui a pena de morte como procedimento penal, no período analisado pelo CNMP, foram mortos mais pessoas sob a custódia do Estado brasileiro do que o conjunto de países que adotam a pena capital, em 2011. Segundo dados da Anistia Internacional, 676 pessoas foram executadas naquele ano pela pena de morte. Nas prisões brasileiras, pelo que se sabe, 769 pessoas.

 

Nada disso importa, pois como encanta Caetano: “presos são quase todos pretos, ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres e pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos (...)”. Nada disso tem relevância, lembra Aragão: “aqui tudo é bom, aqui tudo é bom”. Assim, no Iraque brasileiro, ter a cabeça arrancada, ainda mais quando se é um presidiário, é só coisa de cadeia. Pior: é a justa vingança da sociedade brasileira descrente na própria Justiça. Isso não é canção. É a realidade de prisões pelo Brasil afora.

 

Jihadistas arrancam cabeças de cidadãos norte-americanos numa mensagem direta à Casa Branca. Da mesma forma que, à época de terror da Revolução Francesa, a guilhotina não se cansou de decapitar opositores. Ora, cabeças humanas têm rolado durante a história da humanidade como recurso simbólico de poder. Isso não é só violência. É política. E no Brasil de hoje? Qual recado as decapitações de presidiários quer passar?

 

Embora as motivações entre as decapitações de jornalistas norte-americanos por terroristas e de presidiários por outros presidiários no Brasil sejam distintas, a força da mensagem é semelhante. Aqui as decapitações são marcas de sistemas penitenciáriosestaduais em crise, senão falidos. O recado está sendo dada com muito sangue. Porém, quantas cabeças mais vão rolar nas prisões brasileiras para que o poder público encare com seriedade esse problema?

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