OPINIÃO

Diana Vaz de Lima é professora de Contabilidade pública e previdência no Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais (CCA/UnB) e de Governança e accountability no setor público no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA/UnB) da Universidade de Brasília (UnB). Concluiu Programa de Pós-Doutoramento em Contabilidade e Controladoria pela FEA-RP/USP, é doutora em Ciências Contábeis pelo Programa UnB/UFPB/UFRN, mestre em Administração pelo PPGA/UnB, especialista em Administração Financeira pela Fundação Getúlio Vargas e contadora pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF).  É coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Governos Locais (GEPGL) e  membro da Academia de Ciências Contábeis do Distrito Federal (ACiConDF) e da Associação Brasileira de Contadores Públicos (ABCP).

Diana Vaz de Lima

 

Como todo brasileiro, desde o início de março de 2020 estou absolutamente fascinada por esse tema: como a humanidade vai superar os efeitos da Covid-19. O fato é que esse cenário tem mostrado o quanto as economias do planeta são vulneráveis a essa “gripezinha” e o quanto as instituições e autoridades públicas estão desarticuladas entre si. Devemos ter em perspectiva que “não vale garantir a economia com perdas de vidas”, mas até que ponto os governos do Brasil e do mundo estão preparados para pagar essa conta?

 

No ótimo ted talk gravado há cinco anos, Bill Gates já perguntava e respondia: A próxima epidemia? Não estamos preparados. Na ocasião esse “visionário” que se autointitula “um técnico apaixonado e um empresário astuto”, e que mudou o mundo enquanto liderava a Microsoft®, comentava que a terrível epidemia global do Ebola havia sido evitada graças a milhares de generosos profissionais de saúde e graças também a muita sorte. Na ocasião, Bill Gates então profetizou que aquela “era a hora de colocar todas as nossas boas ideias em prática, de planejamento de cenários a treinamento de profissionais de saúde”. Nos tranquilizava de que não havia razão para pânico, mas que era preciso nos apressarmos. O cenário que vivemos nos mostra que nada disso aconteceu.

 

Agora nos deparamos com medidas que travam economias do mundo todo da noite para o dia. Como vidas estão em jogo, não há margem para erros. Políticos e profissionais da saúde estão o tempo todo na mídia nos alertando sobre a gravidade do problema. Mas, cadê os nossos especialistas em contas públicas? O que pensam os administradores, contadores e economistas que estão diuturnamente movendo todos os esforços (sim, eles também merecem palmas!) para que os insumos cheguem a tempo de atender a população? De onde sairão todos os recursos necessários já que a máquina pública não pode parar?

 

Para quem não acompanha o cenário das contas públicas brasileiras, vou apresentar um breve histórico aqui. Atualmente, o total das dívidas estaduais representa em torno de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e desde 2014 essas dívidas têm sido objeto de renegociação da União – principal mecanismo de ajuste fiscal desses entes federados. Pelo sexto ano seguido as contas do Governo Federal são deficitárias, registrando um rombo de quase R$ 100 bilhões em 2019. Portanto, muito antes da Covid-19, as contas públicas brasileiras já estavam saturadas. Para fazer a máquina pública girar, os entes federados brasileiros se endividam e pagam juros muito altos pelos valores contratados. Só em 2019, o Governo Federal brasileiro pagou R$ 330 bilhões de juros e viu sua dívida aumentar quase 10%, alcançando quase R$ 5 trilhões de reais, maior valor da série histórica. Recentemente, fizemos uma dura reforma da previdência com a perspectiva de sanear as contas públicas, e agora nos deparamos com a necessidade de mais dinheiro, porque é preciso combater os efeitos da Covid-19. Especialistas em contas públicas já consideram que a recessão que está por vir pode ser tão devastadora quanto as perdas que todos nós teremos com esse novo coronavírus.

 

No Brasil, estamos sempre nesse ciclo vicioso que se perpetua: como não tenho dinheiro, pego emprestado; como pego dinheiro emprestado, tenho de pagar juros; como tenho de pagar juros, cada vez mais tenho menos dinheiro; como cada vez mais tenho menos dinheiro, pego dinheiro emprestado. Eu disse “pego” na primeira pessoa porque quem paga essa conta somos todos nós, não existe “dinheiro do governo”, “dívida do governo”. Não se engane: esse dinheiro sai direto do nosso bolso!

 

Em conversa com o prof. José Matias-Pereira, um dos maiores especialistas em finanças públicas do Brasil e que há 45 trabalha e estuda o tema, discutimos que um sistema econômico não funciona de maneira estanque. Nas palavras do meu querido mestre “não há como só o setor A, B e C funcionar e esquecer ou deixar paralisado os setores D, E e F, é fundamental que se entenda que a economia é algo integrado e que precisa funcionar de maneira muito bem organizada”. Vejamos o exemplo do álcool gel: de nada adianta manter uma farmácia aberta se a empresa que fabrica a embalagem para acondicionar esse produto não está entregando a sua parte. Com o tempo, teremos pouco álcool gel disponível no mercado (o que já está acontecendo), e a lei da oferta e procura vai fazer com que o preço se eleve até que o último álcool gel seja vendido, porque não haverá reposição nas prateleiras da farmácia porque a empresa que deveria fabricar o frasco interrompeu sua produção. Então, como definir o que é serviço essencial e não essencial?  

 

Em recente artigo publicado na Folha de São Paulo, o economista Armínio Fraga destaca alguns progressos que já aconteceram: a mobilização emergencial para oferta de leitos e equipamentos, a abertura de uma linha de credito para pequenas e médias empresas e a aprovação para a canalização de recursos para a família de baixa renda. E oferece como proposta que uma estratégia seja feita em quatro frentes: além da médica, logística e assistencial, que uma seja voltada para evitar a falência das empresas. Também alerta que o espaço fiscal das contas públicas não é infinito, deixando a lição de que “um Estado eficaz e financeiramente equilibrado apontaria para um futuro mais próspero e justo, e daria mais espaço para as respostas à crise.

 

O fato é que ainda não sabemos o melhor caminho a seguir, mas é preciso garantir a economia para que vidas sejam preservadas. Se a nossa espécie ao longo dos anos conseguiu criar estratégias para sabotar a natureza e vivermos cada vez mais, cabe a cada um de nós fazer a sua parte. Ou então teremos de ter muita sorte novamente.

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