OPINIÃO

José Matias-Pereira é economista e advogado. Possui doutorado em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri (UCM-Espanha) e pós-doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). É professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília. Autor, entre outros livros, de Finanças Públicas, 7. ed. GEN-Atlas, 2018.



José Matias-Pereira

 

O mundo tomou conhecimento, por meio de notificação da República Popular da China, da existência em Wuhan, na província de Hubei, de casos severos de pneumonia no dia 31 de dezembro de 2019. No início de janeiro de 2020, identificou-se o novo coronavírus (covid19), pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No dia 11 de março, a OMS declarou o surto como pandemia. O primeiro caso do novo coronavírus foi notificado no Brasil no rescaldo do carnaval, no dia 26 de fevereiro.

Ficou claro, em princípio, diante da necessidade de isolamento social, que a pandemia teria duas grandes ondas: a primeira do impacto sobre os sistemas de saúde; e a segunda em decorrência da recessão que iria provocar na economia dos países afetados e no mundo. Nesse cenário existe um consenso por parte das autoridades de saúde pública e dos governantes: as medidas de isolamento social são essenciais para preservar os sistemas de saúde e salvar de vidas. O consenso termina nesse ponto. Esse cenário de incertezas leva-me a indagar: manter a economia em funcionamento e combater o novo coronavírus são medidas excludentes?

É visível que, no rastro dos efeitos trágicos da pandemia do novo coronavírus o mundo, após declarar guerra à doença, entrou num período de transe, no qual se instalou a instabilidade social e econômica. Os países se encontram divididos entre duas estratégias: promover o isolamento social ou setorizar o contágio. Isso explica porque diferentes resultados foram alcançados nos esforços adotados em diversos países para conter a doença.  

Os países que adotaram campanhas agressivas para combater o vírus, disponibilizando o seu sistema de saúde para diagnosticar a presença da covid-19 nos habitantes de suas áreas críticas, vem conseguindo conter de forma adequada a propagação da doença. Destacam-se, entre eles, a Coreia do Sul e a Alemanha. Por sua vez, nos países onde a reação ao combate ao coronavírus foi mais lenta os efeitos sobre os sistemas de saúde estão sendo catastróficos, como são os casos da Itália e Espanha.

Nesse cenário a principal incógnita para os cientistas ainda permanece sem resposta: a letalidade da covid-19. Os pesquisadores especulam que, fatores como clima, idade da população, alimentação, capacidade de resposta do sistema de saúde, distanciamento social, entre outros, poderão interferir na letalidade da doença no Brasil.


Usando como referência o caso da China, estima-se que o período de paralisação da economia seja de quatro meses, ou seja, iremos retornar a normalidade no final de junho. No campo econômico, num país com as características do Brasil, com contingentes enormes de pessoas pobres e que em grande parcela trabalham na informalidade (agravado pelos desempregados), esse tempo é muito longo. A expectativa de se manter apenas os setores essenciais funcionando não é viável, visto que a economia necessita funcionar de forma integrada, ou seja, depende dos setores não essenciais. Por sua vez, as medidas orientadas de estímulos fiscais e de ajuda para amenizar as dificuldades dos mais afetados pela crise econômica: empresas, trabalhadores formais e informais e desempregados, poderá não ter o alcance desejado.    


Pode-se concluir, assim, que o esforço de preservar a economia e o combate ao novo coronavírus não são medidas excludentes. É válido alertar que, um sistema econômico é composto pela reunião dos distintos elementos participantes da produção e do consumo de bens e serviços para satisfazer às necessidades da sociedade. Ou seja, o sistema econômico existe para administrar e reduzir a escassez. A estratégia de isolar a população, deixando num plano secundário os efeitos da paralisia na economia me parece uma opção temerária. Nesse sentido, é essencial que o governo federal, em articulação com os gestores públicos e autoridades de saúde dos estados e municípios (isentos de ideologias e interesses políticos pessoais), definam estratégias, de curto prazo, na qual os entes da federação, além de adotar medidas para proteger a população, não deixem de levar em conta os impactos que o isolamento social irá provocar nas economias da união e dos seus respectivos estados e municípios. É importante alertar, sem minimizar o valor da vida, que uma recessão econômica profunda pode ser tão ou mais devastadora que a tragédia do novo coronavírus.



ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos.