OPINIÃO

Otávio de Tolêdo Nóbrega é professor da Universidade de Brasília, especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG-DF e membro do Conselho dos Direitos do Idoso do Distrito Federal (CDI/DF).

Otávio de Tolêdo Nóbrega

 

Na atualização publicada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1º de maio de 2020 sobre o impacto da pandemia da covid-19 sobre o segmento de pessoas idosas do mundo, a ONU informa que até 26 de abril passado o vírus já havia ocasionado a morte de próximo de 200 mil pessoas (cerca de 0,003% da humanidade) até aquela data, e que as taxas de mortalidade para pessoas com 80 anos ou mais de idade era cinco vezes maior que a média global. Alerta ainda que, como o vírus se espalha rapidamente para os países em desenvolvimento, deverá provavelmente haver sobrecarrega sobre os sistemas de saúde e de proteção social, com a taxa de mortalidade entre idosos devendo se elevar ainda mais.

 

Não bastasse a maior suscetibilidade em bases biológicas, pessoas idosas enfrentam vulnerabilidades adicionais. A disseminação da Covid-19 em lares e instituições tem efeito devastador, com relatos angustiantes no mundo que sugerem negligência. Ademais, pessoas idosas em quarentena ou trancadas com familiares/cuidadores enfrentam risco aumentado de violência, abuso ou maus-tratos. Os que vivem em condições precárias estão particularmente em risco por acesso limitado a serviços de saúde e instalações salubres. Além disso, idosos são frequentemente cuidadores de outros idosos, amplificando a pandemia por aumento da exposição.

 

Aqueles que normalmente recebem atenção domiciliar (PSF, PAI, etc.) correm o risco de serem desproporcionalmente afetados pelas medidas de distanciamento. Períodos prolongados de isolamento tem efeito sério sobre a saúde mental dos idosos, por menor inclusão digital desse grupo. Impactos sobre a renda e o desemprego são inestimáveis uma vez que, em nível global, a parcela de idosos na força de trabalho aumentou quase 10% nas últimas três décadas. A proteção social pode fornecer rede de segurança, mas lacunas de cobertura em países como o Brasil expõe a pessoa idosa, e a relegam à posição de cidadão de segunda categoria, com menor visibilidade. Assim, o vírus ameaça não apenas saúde e integridade física dos idosos, mas também relações sociais, segurança, ocupações e renda das pessoas que construíram a sociedade em que vivemos. O que temos (muito ou pouco), devemos a eles(as).

 

Cabe a nós – estado, empresas, organizações, comunidades, amigos e familiares – intensificar esforços para apoiar pessoas idosas por redes de solidariedade, fazendo o possível para preservar seus direitos e sua dignidade a todo tempo, sem ignorar a multiplicidade de condições em que se encontram. Por isso, estes entes devem buscar garantir que decisões difíceis de assistência às pessoas idosas sejam guiadas por compromisso com a dignidade e o direito à saúde, sem discriminação pela idade per se, e que a inclusão social e a solidariedade durante o distanciamento físico sejam favorecidas (com maior acesso a tecnologias digitais, se necessário) para que não acarretem em interrupção dos cuidados e apoio essenciais.

 

O contexto da covid-19 nos fornece oportunidade para nos superarmos enquanto indivíduos e organizações ao não vitimar ou vitimizar as pessoas mais longevas, cujas trajetórias de vida costumam ser notáveis exemplos de resiliência e positividade, marcadas por múltiplos papéis que ativamente desempenham em sociedade (trabalhadores, cuidadores, voluntários e líderes comunitários e de famílias), com protagonismo.

 

 

 

 

 

   
 
   
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