OPINIÃO

Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo, com doutorado pela Universite de Paris V (Rene Descartes, 1982), e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Professor associado dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Elimar Nascimento

 

Como não consigo chorar, apesar da dor, escrevo, intimamente chorando.

 

 A morte, de forma errônea, e estúpida, levou meu amigo João Nildo. Eram 18 horas do dia 1 de setembro de 2020. Na hora do dia que ele mais apreciava. Sei, porque ele às vezes me ligava: “Elimar, veja que pôr do sol fantástico. Brasília é maravilhosa”. E, outras vezes, me convidava para apreciarmos juntos, com Cristina, este esplendor da natureza, acompanhado de um frisante, que ele sempre apreciava. A morte não podia tê-lo levado agora, quando estava repleto de projetos em andamento. Com os seus amigos da REALP ((Rede de Estudos Ambientais de Países de Língua Portuguesa) estava organizando mais um doutorado interdisciplinar e interuniversitário na África, o continente de sua maior paixão. Estava organizando o prêmio Edgar Morin – cem anos, para ser entregue em 8 de julho de 2021 quando o filósofo francês completará um centenário. Estava organizando para a Semana Universitária uma mesa sobre o ODS 7 – gênero, na qual ele queria a presença de mulheres fantásticas, como ele dizia: Márcia Abrahão, reitora da UnB; Judite Nascimento, reitora da Universidade de Cabo Verde; Tânia Bacelar, que ele chamava de “a mulher genial do Nordeste”, e de quem tinha um pôster imenso em sua sala. Participava da reestruturação da pós-graduação do Centro de Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia da UFAM, sob direção de sua queridíssima amiga Andrea Waichman. Estava conduzindo, com Maurício Amazonas, Cristovam Buarque e eu, um projeto de formação de um think tank denominado Veredas para o Futuro. A senhora morte deveria ter esperado um pouco mais, deveria deixá-lo realizar estes sonhos.

 

Ao soco no estômago da notícia, reagi como uma criança: “Não é possível, às 13 horas conversamos, ele me pediu para substituí-lo na reunião do Conselho do CDS, pois teria uma consulta médica”. E quando falei com sua filha Nahima, não tive outra tolice para dizer que esta: “Não é possível, tanta gente ruim para levar foi logo escolher meu amigo João”. 

 

Passada a pancada fiquei pensando sobre o que melhor traduzia a figura do João. Creio que um bom vinho de Bourgogne: quanto mais velho, melhor ficava. O passar dos anos reduziu a sua teimosia, por vezes irracional, e aumentou a extraordinária generosidade de que era dotado. Todos os seus amigos eram fantásticos. Trabalhou arduamente para que se fizesse uma homenagem à sua amiga e intelectual reconhecida nacionalmente, Berta Becker, com a presença da filha mais velha. Organizou, comigo, um debate com Edgar Morin no dia do meio ambiente deste ano, e logo no dia 8 de julho, reuniu amigos para comemorar os 99 anos do Edgar. Não parava de comentar os feitos de Othon Leonardos e Laura Duarte, dois companheiros com os quais participou da criação do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), onde trabalhava, apesar de aposentado, dando aulas, orientando teses, pesquisando, organizando eventos. E acompanhando a construção do novo prédio do CDS, onde continuava a sonhar em ter uma biblioteca especializada, que havia começado ainda no primeiro imóvel que o CDS ocupou, emprestado do Ibama/DF. Adorava seus alunos, e particularmente seus orientandos, que vez ou outra convidava para comer um joelho no amigão. Claro que, na sua opinião, todos eles eram fantásticos.

 

João tinha orgulho do CDS e carinho por seus colegas. Gostava de quase todos. Elogiava mesmo os colegas de quem não gostava. Tinha orgulho da UnB. Festejou como poucos a recente vitória da atual reitora. Mas, reconhecia o mérito de seus adversários, como o Jaime e a Fátima.

 

Confesso, porque ele sabia, e ria, que eu tinha uma pontinha de ciúmes dele em relação aos amigos que lhe apresentava. Ele conquistava todos, que passavam a admirá-lo, como Alfredo Pena Vega em Paris e Luís Flores no Chile. O que me consolava era que ele falava maravilhas de meus amigos.

 

Já havia passado dos 70, mas era uma criança. Lembro da alegria dele quando um dos livros do CDS apareceu em uma novela da Globo. Ou quando um dos livros que organizamos era citado. Ou quando um de seus amigos ganhava uma referência elogiosa. “Viu a entrevista do Maurício? Fantástica”. Aliás, esta é a palavra que irá acompanhar sua imagem até o meu dia de despedida definitiva.

 

Outro traço do João era a gentileza, a capacidade de acolhimento. Sempre cumprimentava sorrindo e feliz os participantes do LETS. Sempre me perguntava sobre seus resultados. Era estimulante trabalhar com ele.

 

Egoisticamente, continuo a pensar, a morte não poderia tê-lo levado nesta hora, quando tinha tantos sonhos a realizar e amizades a comemorar. Quem me enviará notícias sobre a evolução da matriz energética no Brasil e no mundo?  Ou me convidará no final das sextas-feiras a tomar uma pinga para comemorar os feitos da semana? Ou para ver o pôr do sol? Ou para fazer elogios aos amigos, como Rachel, Cláudia, Gurgel, Carol, Manuela, Henrique ou Maria Amélia? Estúpida essa senhora morte. Deveria ter esperado que ele cumprisse seus projetos. Mas, ela sabia que logo ele teria outros. Pois João era, antes que tudo, um sonhador, mas daqueles que são também empreendedores. Como diz Cristovam – vai fazer muita falta. E bote muita nesta expressão. Uma perda enorme para as instituições onde trabalhava e para os amigos que o adoravam. A humanidade fica mais pobre. A senhora morte não deveria ter feito isso, é uma injustiça. Mas, João se vingou, partiu na hora do dia que ele mais apreciava, no momento do pôr do sol.  

 

Vila Planalto, 2/9/2020, 3h40.

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