OPINIÃO

João Augusto de Lima Rocha é Professor Titular da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia

João Rocha

 

Tudo indica que o governo militar, ou uma facção a ele vinculada, levou Anísio Teixeira para depor em instalação da Aeronáutica no Rio de Janeiro, em 11 de março de 1971, dia de seu desaparecimento. O corpo do educador foi encontrado, dois dias depois, no final da tarde de 13 de março, no fundo do fosso de um dos elevadores sociais do Edifício Duque de Caxias, na Rua Praia de Botafogo,48, local de residência do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, para onde Anísio teria se dirigido, a pé, próximo do meio dia, após pronunciar conferência na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

 

A indicação de que ele se encontrava detido, e não morto, entre 11 e 12 de março, é muito forte, por conta de declarações dadas pelo escritor e ex-govenador baiano Luiz Viana Filho e pelo educador e poeta mineiro Abgar Renault, membros da Academia Brasileira de Letras, ambos amigos de Anísio, com largo trânsito entre as autoridades do regime militar. Eles confirmaram, independentemente, à família do educador, que uma autoridade militar (que teria sido o Chefe do I Exército, General Syzeno Sarmento, segundo Abgar Renault) afirmou que Anísio estivera sob interrogatório na Aeronáutica. Isso reforça a possibilidade de ter sido sequestrado no percurso entre a Fundação Getúlio Vargas e o edifício residencial de Aurélio Buarque de Holanda.

 

Registra-se, também, por informação de familiares, particularmente Paulo Alberto Monteiro de Barros (Artur da Távola), então genro de Anísio, que a autoridade militar informante teria tranquilizado a família, ao dizer que o educador logo voltaria para casa. No entanto, a versão oficial da morte de Anísio, que se consolidou na época de trevas do regime militar, foi que ele teria caído no fosso do elevador do Edifício Duque de Caxias, sem que sequer houvesse chegado ao apartamento 42, para o almoço com Aurélio Buarque.

 

Ponderou-se que Anísio poderia ter errado o andar, ao subir de elevador, e que, quando foi tomá-lo outra vez, já em cima, a porta se abriu, sem que o elevador estivesse posicionado no andar. Porém, a despeito da fisionomia bastante singular de Anísio (baixo, magro e óculos de elevado grau), nenhum dos porteiros disse tê-lo visto entrar no prédio naquele dia. Logo, o mais provável, mesmo, é que sequer tivesse entrado no prédio, no dia do desaparecimento.

 

Uma testemunha, ainda viva, que hoje reside em Brasília, confessou-me, recentemente, que esteve no apartamento de Aurélio, à espera de Anísio, mas ele não chegou ao apartamento, naquele dia, quando, em almoço, estava previsto o pedido do voto de Aurélio para a eleição da ABL, a que Anísio concorreria. Importante auxiliar de Aurélio na produção de seu famoso dicionário, essa testemunha disse-me que, cerca de 13h30, desceu pelo elevador supostamente sinistrado, mas não viu qualquer sinal de anormalidade.

 

Ao ligar para Aurélio, no início da noite de 11 de março, um familiar de Anísio apurou que, além de o educador não ter chegado para o almoço, também não telefonou para Aurélio, a fim de justificar a ausência.

 

Segundo revela extensa matéria publicada pelo jornal Última Hora, no dia 15 de março de 1971, o prédio estava sob manutenção de pintura no dia 11 de março. Segundo o jornal, a base de apoio dos trabalhadores era junto à portinhola de acesso ao platô meio metro acima do fundo do fosso do elevador social, em que o corpo de Anísio foi encontrado. Muitos empregados do prédio também costumavam circular pelo local, mas ninguém registrou, em pleno meio-dia, qualquer grito ou barulho de tombo no prédio.

 

O Auto de Exame Cadavérico, do IML do Rio, recém-encontrado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que será divulgado, em primeira mão, na sessão organizada pela APUB-Sindicato, em 11 de março próximo, na Bahia, atesta que a morte do educador ocorreu no dia 12 de março de 1971. Isto significa que, na hipótese da queda, ele teria ficado vivo, entre 11 e 12 de março, caído no fundo do fosso.

 

As fotos do cadáver de Anísio, no fundo do fosso do elevador, também foram descobertas recentemente, e há pouco apresentadas a sua família. Em virtude do encerramento dos trabalhos da CNV, não houve apresentação do relatório conclusivo sobre o assunto. Porém, com a ajuda dessas fotos e do laudo do IML do Rio de Janeiro, mostra-se, definitivamente, que Anísio não morreu devido a queda no fosso. Ela foi simulada, possivelmente com o intuito de forçar a versão que interessava a quem, de fato, foi responsável por sua morte.

 

Abre-se, portanto, uma nova fase na investigação da morte do mais destacado educador brasileiro. É uma exigência da sociedade brasileira ter conhecimento sobre quem o matou, como tudo ocorreu, além das selvagens razões de sua trágica morte.

 

Anísio nunca foi militante partidário, mas sua atuação de educador, desde 1924, certamente não era da simpatia dos setores conservadores, por certo interessados na manutenção do estado de ignorância que, para eles, favoreceria manterem-se eternamente no poder. Basta verificar que, em 1935 e em 1964, dois momentos cruciais da luta política em nosso país, Anísio foi forçado a deixar os cargos importantes que ocupava no governo, inclusive o de reitor da UnB, responsáveis pelas mais importantes transformações modernizadoras na educação brasileira.

 

Outro notável exemplo de restrição conservadora aos movimentos do educador é narrado por Luiz Viana Filho, em sua biografia de Anísio (1990). Anísio foi um dos organizadores da Unesco, após a redemocratização, em 1946. Convidado por Julian Huxley, o governo brasileiro de então dificultou a entrega do honroso convite a ele dirigido, que somente os maiores expoentes da educação e cultura receberam, no mundo. Segundo Luiz Viana Filho, a carta de Julian Huxley só lhe foi entregue por meio de um hotel de Nova Iorque, onde costuma se hospedar, porque o governo não foi capaz de localizá-lo em nosso país!

 

No dia 11 de março de 2016, completam-se 45 anos do desaparecimento de Anísio Teixeira. Nesse dia, às 8h, será apresentado, publicamente, em entrevista coletiva, a ser realizada na sede da APUB, o relatório com as mais recentes informações sobre a morte de Anísio Teixeira, organizado por João Augusto de Lima Rocha.

 

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