OPINIÃO

Fernanda Antônia da Fonseca Sobral é professora emérita e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UnB). Atualmente é vice-presidente da SBPC.

Fernanda Fonseca Sobral

 

O título contraditório deste artigo deve-se ao fato de estar ocorrendo atualmente uma desvalorização da ciência pelas declarações negacionistas dos governantes, não só no que concerne à pandemia, mas também às mudanças climáticas e a outros aspectos. Essa desvalorização também é observada pelos escassos recursos financeiros a ela destinados, como pode observar-se pelo Projeto de Lei Orçamentária de 2021 enviado ao Congresso, no qual dos recursos previstos para investimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações serão de 2,7 bilhões de reais, 34% menores do que os de 2020, e menos de um terço do valor de uma década atrás.


Se, por um lado, o atual governo e a sua política econômica desprestigiam a ciência e, diante da pandemia, descreditam as recomendações provenientes das organizações sanitárias e científicas, por outro, a ciência tem sido a principal fonte de esperança da população brasileira, uma vez que esta comunidade científica tem se dedicado incansavelmente à busca e construção de informações confiáveis e à expressão das medidas preventivas e corretivas que precisam ser tomadas para conter o coronavírus.


Os dados da pesquisa realizada sobre "Percepção Pública em C&T no Brasil" (CGEE, 2019) apontavam, mesmo antes da pandemia, que os brasileiros têm uma visão otimista em relação à ciência. Os resultados mostraram que 73% dos entrevistados acham que C&T trazem só benefícios, ou mais benefícios que malefícios para a sociedade. O perfil da representação dos cientistas na cultura brasileira ao longo dos anos também foi positivo: eles são vistos principalmente como "pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade" por 41% da amostra.


Ainda que essa percepção favorável à ciência anteceda à pandemia, podemos, contudo, no atual momento, acenar para uma recuperação da autoridade científica e da autoridade institucional da universidade enquanto lócus de produção do conhecimento, ao menos no que se refere a grande parte da população brasileira e à mídia (nunca os cientistas tiveram tanto espaço para falar da ciência e usaram as redes sociais para divulgação científica). Depois de inúmeras críticas sofridas pelos cientistas e pelas universidades públicas e instituições de pesquisa, associadas, por sua vez, a cortes de investimentos, passa se a falar e a esperar muito da ciência. E ela tem respondido com resultados robustos.


Tenho abordado as condições de produção de conhecimento como condições cognitivas ou intrínsecas ao próprio processo (por exemplo, a acumulação de conhecimento na área, a existência de um paradigma hegemônico ou de teorias em competição) e como condições socioinstitucionais, até certo ponto externas a este processo (por exemplo, certas características do contexto econômico e político, políticas governamentais de apoio ou de restrição à produção, financiamento, criação de instituições). Se essas condições influenciam a produção de conhecimento, como explicar a intensa produção atual em todas as ciências, abordando e atendendo um problema emergencial, já que estamos vivenciando um momento de democracia rasurada, de hegemonia do liberalismo econômico e do quadro de escassez de recursos para ciência, tecnologia e educação com políticas de fomento restritivas?

 

Clique aqui para ler o texto na íntegra.

 

________________________________________________

Publicado originalmente pelo Carta Capital em 27/12/2020

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.