OPINIÃO

Bruno Lara é jornalista e pesquisador. É doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio Janeiro e tem pós-doutorado na mesma área pela UnB.

Bruno Lara

 

 “Câmara aprova projeto que torna crime furar a fila de vacinação”.  Essa é uma manchete recente de jornais de um país chamado Brasil (mas, não é exclusividade nossa). A necessidade de uma lei que tente (tente) obrigar o respeito ao cumprimento de regras de vacinação em plena pandemia acusa fraturas na ideia de sociedade, civilização e no conceito de moral.

 

O que é agir na moral, segundo Platão? Seria a pessoa adotar determinado comportamento considerado correto, de forma livre, sem coação, sem constrangimento, sem o fazer por força de lei ou porque há uma câmera flagrando tudo. Simplesmente porque é certo. Portanto, agir na moral não é agir certo, é agir certo porque quer, renunciando às próprias pretensões a qualquer custo.


Portanto, a vigilância (conceito foucaultiano) não produz comportamentos morais. É preciso ausência de instrumentos de controle para dar condições ao florescimento de ações consideradas morais. Em A República, Platão conta uma história do pastor Giges, cujo comportamento era considerado exemplar, até ele encontrar um anel mágico que deu a ele o poder da invisibilidade. Longe dos olhares alheios, Giges deu asas aos subterrâneos dos seus pensamentos.


Pessoas que se aproveitam de alguma posição social para furar a fila da vacina, provavelmente, pensaram estar desfrutando do anel de Giges, agindo na invisibilidade. É uma prática que revela atitudes altamente egoístas, egocêntricas e totalmente descompromissadas com a ideia de coletividade. Além de um desrespeito ao próximo, individualmente, é um ataque ao Estado, instância organizadora da nossa vida, e à civilização que estamos (espero!) tentando construir e consolidar.


Cachorros não deliberam, agem de forma instintiva a satisfazer imediatamente a sua vontade, custe o que custar. Lembro de uma ocasião da minha infância em que dei comida para os meus dois cachorros. Primeiro, dei uma porção para o Toche, para ele ficar distraído e se deliciando. Logo em seguida, dei uma porção para a Orelhuda (apesar do nome, tinha a orelha pequena) a uma distância considerável do Toche. Este engoliu rapidamente a comida e correu tão veloz em direção ao alimento da Luluda (apelido dela), que daria inveja no Usain Bolt. Papou a comida da Lú (outro apelido) sem a menor cerimônia. Ali, o Toche não foi mau. Agiu conforme leis internas a sua própria natureza. Ele não poderia responder juridicamente por seus atos.


Nós, sim, podemos. Não somos cachorros. A moral limita a nossa liberdade. Não posso fazer tudo o que quero. Kant diz que uma boa maneira de analisarmos o valor da nossa conduta, se agimos adequadamente, seria universalizar aquele comportamento. Ou seja, se todos agissem dessa forma, seria bom para a sociedade ou seria destrutivo? Se todos se achassem no “direito” de furar fila, seria cada um por si e Deus por ninguém. Teria “vantagem” quem mais dinheiro, contatos políticos e poder de influência tivesse.

 

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