OPINIÃO

José Alberto Vivas Veloso é professor aposentado da Universidade de Brasília e criador do Observatório Sismológico (SIS), da mesma universidade. Graduado em Geologia, mestre em Geofísica pela Universidad Nacional Autónoma de México, estudou Sismologia no International Institute of Seismology and Earthquake Engineering, no Japão. Trabalhou na Organização das Nações Unidas, em Viena (Áustria), na montagem de uma rede mundial de detecção de explosões nucleares. É autor do livro O terremoto que mexeu com o Brasil.

Alberto Veloso

 

Em qualquer dos cantos da Terra é possível encontrar pessoas que já ouviram falar de nossos personagens. Nenhuma surpresa, pois em seus campos de atuação tornaram-se referências na História Universal. No título deste artigo eles são chamados de Carlos, a forma aportuguesada do inglês Charles.


O primeiro é Charles Darwin (1809-1882), o homem que impactou a ciência mundial ao criar a Teoria da Seleção Natural, o motor que movimenta a evolução das espécies. Ao lançar o seu livro “A origem das espécies”, em 1836, sacudiu o status quo e, mais precisamente, o arraigado conceito do criacionismo.


Mas qual a relação de Darwin com terremotos? “- Ele foi o mais horrível, porém interessante espetáculo que vivenciei”. Assim Darwin resumiu o que sentiu quando, descansando em área florestal, não distante de Valdivia, na costa chilena, sentiu o chão tremer por dois minutos, o que lhe pareceu bem mais tempo. Distante 300 km do epicentro, ainda sentiu tonteira. É algo que destrói a concepção de que o chão é sólido, o que traz sensação de insegurança, escreveu ele em seu diário de viagem através do mundo, por quase cinco anos. Atento, notou que o terremoto havia soerguido camadas rochosas com restos de conchas acima do nível do mar. Este terremoto, em 20 de fevereiro de 1835, com magnitude estimada 8.0-8.5, também produziu um tsunami e desencadeou a erupção, quase simultânea, de três vulcões na região. Parte da cidade de Concepción, no Chile, virou ruina e dezenas de pessoas morreram. Por ter descrito, em seu diário, pormenores desse evento, ele ganhou o nome de Terremoto de Darwin.

 
Nosso segundo Carlos é o bem conhecido Charles Richter (1900-1985), o criador da escala que leva o seu nome e que mede o tamanho dos terremotos. Trabalhando no Instituto Tecnológico da Universidade da Califórnia (Caltech, sigla em inglês), foi encarregado de listar dados (horário, epicentro e eventuais danos) dos terremotos que aconteciam no sul daquele estado. Logo percebeu a dificuldade de comparar os tremores simplesmente pelo valor de suas intensidades, pois alguns eram sentidos e ocasionavam danos, mas outros não. Passou então a imaginar uma maneira de definir o tamanho dos sismos quantitativamente, sem interferência humana, baseando-se nas maiores amplitudes das ondas de choque presentes nos sismogramas. Com isso, ele eliminaria os inevitáveis erros humanos de avaliação – duas pessoas podem estimar diferentes valores de intensidade para um mesmo terremoto. Após coletar muitos dados e apoiar-se em fundamentos matemáticos, ele elaborou uma fórmula que se mostrou funcional e convincente aos colegas. Mas essa fórmula original de Richter era bem limitada e necessitou de ajustes para ter aplicação além da Califórnia, o que demandou tempo e ajuda externa.


É neste ponto que desejo introduzir dois outros personagens, que contribuíram efetivamente para o êxito científico dos nossos Carlos, mas, nem por isso, obtiveram reconhecimento proporcional aos seus feitos, pelo menos para o grande público.


Por ordem vem o naturalista britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913) que, como Darwin, também veio ao Brasil, neste caso ao Pará e ao Amazonas, onde, por quatro anos, estudou e coletou espécies de insetos e pássaros. Regressando à Inglaterra, seu navio naufragou. Wallace escapou, mas não sua coleção e algo mais valioso ainda: os apontamentos de campo. Em 1854 ele rumou para o arquipélago Malaio, um grupo de mais de 20 mil ilhas entre os oceanos Pacífico e Índico. Lá ficou por sete anos, tempo suficiente para observar a diferenciação das espécies e desenvolver princípios e conclusões muito parecidas com as de Darwin, a quem enviou uma espécie de artigo de sua pesquisa. Este surpreendeu-se com tais informações, pois vinha trabalhando na construção de sua teoria da evolução das espécies há duas décadas, mas nada havia ainda publicado. Com um resumo de seus próprios dados e os de Wallace e, atendendo pedido deste, dirigiu-se a uma das mais conceituadas autoridades científicas da época, o geólogo Sir Charles Lyell (1797-1875), autor de “Princípios de Geologia” (1830), uma das mais importantes obras das ciências da terra, em muitos aspectos, ainda válida. Lyell providenciou a apresentação de ambas as investigações dos naturalistas na Linnean Society, prestigiosa academia de ciências de Londres. Tal fato, sem qualquer dúvida, prova o valor do entusiasmado e solitário Wallace, embora quase todos não o reconheçam como o coautor da teoria da seleção das espécies.


Avançando no tempo, chegamos em 1930, quando um brilhante geofísico alemão, não encontrando posição adequada em universidades germânicas, optou por um posto no Caltech, em Pasadena. Tratava-se de Beno Gutenberg (1889-1960), um dos mais respeitados e completos sismólogos da primeira metade do século passado. No Caltech liderou o tripé – Beno Gutenberg, Hugo Benioff e Charles Richter –, colocando a sismologia da instituição no maior patamar mundial. Diz a história que Gutenberg nunca se entendeu totalmente com Richter, e vice-versa, mas respeitavam-se; produziram pesquisas conjuntas e publicaram trabalhos clássicos de sismologia, tendo Gutenberg como primeiro autor.


Pesquisador infatigável e muito querido, Gutenberg chegou a Califórnia pouco antes de Alberto Einstein, com quem formava dupla musical nos finais de semana; ele ao piano e Einstein ao violino. Conta-se que, em 30 de março de 1933, quando os dois caminhavam e conversavam sobre terremotos, foram abordados por outra pessoa que perguntou: O que acharam do terremoto? Que terremoto? responderam eles. Acabara de ocorrer o sismo de Long Beach, com magnitude 6.4 e epicentro 45 km distante. Absortos na conversa, nada sentiram, mas depois foram alvos de brincadeiras.


Quanto à Escala de Magnitude elaborada por Richter, credita-se a Gutenberg ajuda essencial tanto na fase inicial, com sugestões matemáticas, como em sua posterior adaptação para calcular magnitudes de terremotos fortes e longínquos, ou seja, com alcance mundial. Nesse último caso, Gutenberg assumiu clara liderança, o que é espelhado na autoria principal do paper que mostrou a nova escala. Com isso, esperava-se, também, uma nova denominação, como escala Richter-Gutenberg, o que não aconteceu. Falam que Richter não se esforçou para tanto e a mídia tão pouco ajudou. A sismologia evoluiu e em 1979 surgiu a escala de Magnitude do Momento, mais adequada para dimensionar o tamanho e a energia liberada pelos terremotos, particularmente os grandes – ela mede os parâmetros da ruptura do terreno. Mesmo assim, o nome Richter continua fortemente atrelado à magnitude dos terremotos quando divulgadas suas ocorrências mundo afora... E isto não dá mostra de ter fim.

Concluindo, convido os leitores a cumprimentarem Darwin e Richter por seus renomados feitos e também estenderem tal reconhecimento aos papéis de Alfred Wallace e Beno Gutenberg nas páginas da história das ciências.

 

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