CIÊNCIA

Trabalho foi aceito pela revista Free Radical Biology and Medicine, referência entre as publicações sobre radicais livres

Foto: Emília Silberstein/UnB Agência

 

Um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) encontrou explicação bioquímica para um fenômeno estudado há mais de 20 anos no mundo científico: como determinados animais sobrevivem até semanas, dependendo da espécie, a condições de pouquíssimas concentrações de oxigênio, situação conhecida como hipóxia.

 

A solução para os questionamentos foi resultado da revisão minuciosa de aproximadamente 150 artigos publicados sobre o assunto e foi recentemente aceita por uma revista de referência sobre radicais livres, a Free Radical Biology and Medicine. O trabalho dos pesquisadores da UnB passará por editoração e será publicado ainda neste ano.

 

Entre 23 e 28 de agosto, parte da equipe participou do 9º Congresso Internacional de Fisiologia e Bioquímica Comparativa – De Moléculas à Macrofisiologia, realizado em Cracóvia, na Polônia. Ao apresentar a teoria, o professor do Departamento de Biologia Celular da UnB Marcelo Hermes Lima, um dos autores da pesquisa, verificou grande aceitação pelo público presente.

 

"A resposta foi muito positiva, aprovaram a teoria. No final da palestra, houve pessoas interessadas em dar prosseguimento aos estudos e fazer outras pesquisas relacionadas ao assunto", contou.

 

Ele afirma que a teoria formulada não só representa uma explicação para a grande maioria dos estudos apresentados até hoje, mas também amplia a abrangência da pesquisa que já havia sido divulgada pelo grupo – hoje modificado – de pesquisadores da Universidade em 2013.

 

Saiba mais sobre o histórico da pesquisa

Rã-de-unhas-africana Xenopus laevis, uma das espécies estudadas
Rã-de-unhas-africana Xenopus laevis, uma das espécies estudadas. Foto: Reprodução/UnB Agência

 

Fizemos uma versão preliminar do estudo em 2013, mas agora a teoria está completa. Antes, ela era voltada apenas para animais aquáticos submetidos a pouca concentração de oxigênio e hoje costumo brincar que fizemos a ´teoria de tudo´, pois submetemos diversos animais a diferentes estresses como hipóxia, congelamento, exposição aérea (de animais aquáticos), desidratação severa e estivação", pontua Marcelo Hermes.

 

Nos anos 1990, o professor verificou que determinados animais tolerantes ao congelamento e, portanto, à falta de oxigênio (hipóxia) eram capazes de aumentar suas defesas antioxidantes para proteger seus órgãos e tecidos contra efeitos tóxicos de radicais livres que se formam no momento do retorno do oxigênio ao organismo, quando descongelam. Esse processo de defesa foi batizado em 1998 por Hermes de "preparo para o estresse oxidativo" (POS, na sigla em inglês).

 

"Tínhamos um processo biológico, mas não tínhamos uma explicação bioquímica para ele. Eu dava uma explicação fisiológica nos artigos e palestras, mas começamos a ver que havia algo errado, pois os animais, mesmo quase sem oxigênio para respirar, apresentavam danos no organismo provocados por radicais de oxigênio", relembra o professor.

 

Segundo Hermes, há cerca de dez anos, pesquisadores norte-americanos demonstraram que a hipóxia aumenta a produção de radicais livres em células de mamíferos. Mas a dúvida continuava: como tais seres vivos, em ambientes com baixa ou nenhuma concentração de oxigênio, conseguem produzir radicais de oxigênio no corpo para produzir defesas antioxidantes?

 

Para os estudiosos do assunto, esse questionamento era importante, pois são justamente esses radicais que induzem a resposta antioxidante do animal, ou seja, o aumento das defesas nas células dele.

 

"Na realidade, a reação química é simples: O2 + e- = O2-, ou seja, o oxigênio reage com o elétron e resulta em ânion superóxido, que é um radical de oxigênio. O que acontece é que existem moléculas de oxigênio que entram em pontos inespecíficos da cadeia respiratória das células (que fica localizada nas mitocôndrias e é um carreador de elétrons), e acabam reagindo com essas partículas ali mesmo, já que elas estariam em excesso na hipóxia", explica Marcelo Hermes. A produção de radicais na mitocôndria, então, vai induzir a "fabricação" das enzimas antioxidantes dos bichos.

Professor Marcelo Hermes apresenta teoria em congresso na Polônia
Professor Marcelo Hermes apresenta teoria em congresso na Polônia. Foto: Reprodução/UnB Agência

 

Aluno de doutorado do Departamento de Biologia Celular da UnB, Daniel Moreira participa do grupo de pesquisa desde o início da produção do artigo. Ele ressalta que a teoria biológica deve ser testada e estudada por outros cientistas no mundo todo. "É uma proposta que consegue explicar tudo o que foi publicado e que ainda não tinha um porquê. Mas, como qualquer teoria, está aí para ser confirmada ou não por experimentos posteriores", afirma.

 

Como quase 100% dos estudos sobre resposta antioxidante citados no artigo da equipe da UnB foram realizados em laboratório, o próximo passo é demonstrar que o fenômeno ocorre espontaneamente na natureza. No Departamento de Biologia Celular, dois trabalhos estão em andamento com esse objetivo.

 

O primeiro, do doutorando Daniel Moreira, analisará o comportamento bioquímico de um sapo da caatinga capaz de sobreviver se ficar meses sem comer nem beber em períodos de seca. O outro trabalho, desenvolvido atualmente por um aluno do mestrado, estuda a exposição aérea de mexilhões, que normalmente retiram oxigênio da água e ficam em hipóxia quando a maré baixa, o que ativa o fenômeno descrito no artigo dos pesquisadores da Universidade de Brasília.

 

Compõem a equipe, além de Marcelo Hermes Lima e Daniel Moreira, a também docente do Departamento de Biologia Celular Élida Campos, o professor de Instituto de Química Thiago Mattos e dois estrangeiros, a espanhola Georgina Rivera Ingraham, pós-doutora em Biologia Marítima, e o argentino Maximiliano Giraud Billoud, doutor em Ciências Biológicas.

 

Na pesquisa, eles analisaram estudos com 83 espécies de animais. Dessas, 53 apresentaram o preparo para o estresse oxidativo, o que representa 64% da amostra estudada. Até o momento, o fenômeno foi observado em animais de seis filos: cordados, artrópodes, tardigrada, anelídeos, moluscos e cnidários. "À medida que os estudos evoluírem, acho que abrangerá todo o reino animal", aposta Hermes.

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