OPINIÃO

Márcia Abrahão Moura é reitora da Universidade de Brasília e professora do Instituto de Geociências. Doutora em Geologia pela UnB.

Márcia Abrahão Moura

 

O Brasil inaugurou, no mês passado, a Estação Antártica Comandante Ferraz, que vai ajudar a fixar a presença brasileira no continente mais gelado da Terra e a fortalecer as pesquisas lá realizadas. A estação é resultado de uma obra iniciada em 2016, depois que um incêndio destruiu grande parte da base anterior. O local abrigará 17 laboratórios (antigamente, eram apenas quatro), e a Universidade de Brasília (UnB) é protagonista na operacionalização da nova estrutura, ao lado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Não é algo trivial: a porção de terra encoberta pelo gelo antártico corresponde a 7% do planeta. O continente também concentra 70% da água doce do mundo e, portanto, tem grande influência no clima global. Em um momento de crescentes preocupações sobre as mudanças climáticas e os impactos para o futuro da humanidade, conhecer, estudar e proteger a Antártica não é apenas necessário, mas também estratégico.

 

As pesquisas realizadas na região são apenas um dos exemplos de como a ciência pode contribuir para a busca de soluções a problemas concretos, em todas as áreas do conhecimento. A UnB pode oferecer vários exemplos disso. Coordenamos um projeto cujo objetivo principal é a identificação de substâncias naturais e eficazes, a partir do extrato de plantas do cerrado, para o controle do Aedes aegypti (transmissor da dengue, zika e febre amarela, entre outras doenças).

 

Há, ainda, projeto para propor solução inovadora para o antigo lixão da Estrutural (desativado em 2018), tanto em termos ambientais quanto energéticos; outro para desenvolvimento de inteligência artificial como ferramenta auxiliar na tomada de decisões pelo Supremo Tribunal Federal (STF); outro, recentemente premiado pela Capes, sobre como as unidades de conservação promovem transformações na vida das populações e nas localidades em que são instaladas. A lista é extensa. A Universidade possui 528 grupos de pesquisa certificados e atualizados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de 97 programas de pós-graduação.

 

Além de centenas de projetos, a UnB realiza pesquisa básica, que é essencial para o avanço da ciência, em diversos níveis. Um dos mais modernos medicamentos para o tratamento do câncer de medula óssea só existe graças aos estudos em pesquisa básica sobre os mecanismos de defesa celular. A história dessa descoberta foi contada em 2017 pelo prêmio Nobel de Química Aaron Ciechanover, em visita à UnB. Como ele fez questão de frisar à época, não era sua intenção criar um remédio, mas os estudos realizados por ele e pela equipe ao longo de décadas deram origem ao fármaco, que ampliou em cerca de três vezes o tempo de vida de pacientes com a doença.

 

A ciência também perpassa o cotidiano e é crucial para a solução de problemas emergenciais, como podemos verificar atualmente com a epidemia de coronavírus. Na China, onde teve início o surto, foram lançados oito projetos emergenciais de pesquisa, para a melhoria do tratamento e para o estudo de uma vacina eficaz contra o vírus.

 

O governo chinês também disponibilizou os dados sobre o coronavírus e as suas mutações, para que cientistas de outras localidades possam utilizá-los em suas pesquisas. Nos Estados Unidos, a promessa é dar início aos testes de uma vacina em humanos no prazo de três meses – o que, se confirmado, será um recorde para esse tipo de situação. No Brasil, a Fiocruz, que tem experiência de quase 60 anos com vírus respiratórios, criou uma sala de situação para ampliar o conhecimento sobre a epidemia e acompanhar seus desdobramentos. Sem conhecer o modo como os seres vivos se adaptam e evoluem, não teríamos como desenvolver vacinas para combater epidemias. Mesmo que, no caso dos vírus, haja outros mecanismos de "aprendizado" não plenamente desvendados pela ciência, investigar como eles nos infectam e como nosso organismo pode reagir ainda é a principal rota para o controle de doenças.

 

Em um cenário ameaçador como esse, em que o alastramento de uma doença coloca cidades inteiras em risco (e a economia global também), a negação de evidências e dos avanços científicos se torna perigosa para a humanidade. A valorização da ciência é necessária não apenas em casos extremos, mas de uma maneira perene, especialmente pelos formuladores de políticas públicas e gestores. A tomada de decisões baseada em evidências científicas é uma garantia de que os recursos investidos por toda a população, por meio do pagamento de impostos, estão bem aplicados.

 

Por fim, cabe mencionar que ciência, a tecnologia e a educação são patrimônios imprescindíveis para qualquer país. O conhecimento liberta, faz enxergar novas realidades, estimula a inovação e move a economia. É, portanto, um investimento; jamais um gasto.

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 8/2/2020

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