OPINIÃO

Gilberto Lacerda Santos é professor do Departamento de Métodos e Técnicas-MTC, da Faculdade de Educação-FE, da Universidade de Brasília. Doutor em Sociologia do Conhecimento Científico e Tecnológico pela UnB, mestre em Tecnologias na Educação/Inteligência Artificial e Ph.D. em Educação, ambos pela Universidade Laval (Canadá) e pós-doutor em Educação e Tecnologias na Espanha e no Canadá. 

Gilberto Lacerda Santos

 

O Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, tido como dia da morte de Zumbi dos Palmares, é, em 2024, ponto de comemoração de 40 anos do ativismo negro na Universidade de Brasília. De fato, a UnB, instituição de ensino superior mais vilipendiada pelo Regime Militar, que foi invadida quatro vezes, teve três alunos desaparecidos, docentes e discentes torturados e foi mantida sobre controle da ditadura de agosto de 1968 até meados de 1984, acolheu, naquele ano, sua primeira assembleia de estudantes negros em que, timidamente, nos mobilizamos em busca de visibilidade e de espaço acadêmico. Naquele momento, a professora atualmente aposentada da Faculdade de Educação, Gloria Moura, pioneira da inclusão racial na UnB e nos estudos quilombolas no Brasil, era figura de proa de um movimento que reverbera até os dias de hoje. O ativismo racial no Distrito Federal era, até 1984, mantido fora da instituição e passou a encontrar acolhimento, quando Cristovam Buarque foi designado reitor pelo presidente José Sarney, sendo o primeiro eleito pelo voto direto. Teve gênese, então, um movimento negro estudantil balbuciante face ao terror recentemente vivenciado por todos, constituído pelos poucos estudantes e professores negros da época. E éramos mentorados por Gloria Moura, brava e rara professora negra daquela universidade que se recompunha dos anos de chumbo, com conhecimentos sólidos acerca da questão racial no Brasil, um carisma excepcional, uma coragem sem igual e uma elegância admirável, que estava na linha de frente para, em 1986, dois anos depois da retomada democrática na UnB, contribuir para a criação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (NEAB-UnB).

 

Assim, a segunda metade dos anos 80, foi palco de um cenário efervescente no âmbito da UnB, em que diversos movimentos ativistas em prol da promoção da visibilidade dos estudantes e professores negros da instituição conduziram à criação do nosso NEAB, que teve como primeira coordenadora a também militante professora Adalgisa Maia Vieira de Rosário, do Departamento de História. Em uma perspectiva mais ampla, o NEAB-UnB, naquele mesmo período, participou das articulações que culminaram na criação, em 22 de agosto de 1988, da Fundação Cultural Palmares, para promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. O advogado Carlos Alves Moura, esposo de Gloria Moura, foi o primeiro presidente da fundação.

 

Como aponta Gloria Moura, que também atuou pelo direito constitucional de reconhecimento das terras dos povos quilombolas, o NEAB-UnB, que buscava incentivar a realização de trabalhos acadêmicos que desenvolvessem o tema da cultura afrobrasileira, fez com que a UnB passasse a ter esse olhar mais abrangente e pioneiro sobre as questões étnico-raciais, com a conscientização de professores acerca do racismo estrutural, propondo a intensificação das pesquisas nessa área do conhecimento. Como a professora, hoje com 88 anos, se recorda, sob sua gestão, o NEAB-UnB ofereceu o primeiro curso para formação de professores universitários ou não, da UnB ou não, com o objetivo de debater, discutir e aprender, em comunidade acadêmica, sobre a aplicabilidade, nas escolas e na universidade, da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar. A lei também estabeleceu o 20 de novembro, morte de Zumbi, como data comemorativa do Dia Nacional da Consciência Negra. Nossa histórica militante também promoveu a publicação igualmente histórica do número 67 da Revista Humanidades, de novembro de 1999, especialmente dedicada à temática da consciência negra, que reuniu artigos sobre cultura afrobrasileira de professores de várias áreas da UnB. Gloria Moura foi a primeira acadêmica da instituição que coordenou grupos de alunos em visitas a quilombos, com o objetivo de conhecer uma realidade alheia ao currículo formal, tendo em vista que a universidade privilegiava a grade curricular eurocêntrica. Ela criou o primeiro livro didático para crianças quilombolas, em parceria com o Ministério da Educação, e colaborou na implantação de um modelo de cotas para a entrada de estudantes negros na UnB.

 

40 anos depois, Gloria Moura permanece ativa e vigilante e nos sinaliza, sempre que acionada, que a luta precisa continuar e que a Educação é a grande promotora das mudanças que farão do Brasil um país mais justo e igualitário. E é em sua homenagem, na comemoração dos 40 anos do movimento negro na Universidade de Brasília, que o Museu Virtual de Ciência e Tecnologia promove o lançamento de sua biblioteca virtual decolonial, com curadoria do Prof. Joaze Bernardino Costa, do Departamento de Sociologia, que passará a fazer parte do acervo permanente do museu e que poderá ser acessada aqui.

 

Viva Gloria Moura! Vivas para as quatro décadas de ativismo negro na Universidade de Brasília!

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