OPINIÃO

Flaviane de Carvalho Canavesi é professora, pesquisadora e extensionista na Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília. Atua no Núcleo de estudos, pesquisa e extensão em Agroecologia.

Flaviane de Carvalho Canavesi

 

Após décadas marcadas pela estruturação da extensão rural no Brasil, que vai de 1948 a 1990  — o período que abrange desde o surgimento da primeira Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) em Minas Gerais até a extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) —, uma proposta de reestruturação nacional vai se conformando e conquista espaço na agenda de governo em 2003.

 

A partir daí, é possível observar significativos avanços de ruptura com um modelo difusionista modernizador da agricultura, que caracterizou a primeira fase da extensão rural, para dar espaço às inovações de ações públicas. Podemos citar, como exemplo, a exclusividade no atendimento à agricultura familiar, a utilização de metodologias participativas, e a ampliação da rede de atendimento, agora considerando entidades não estatais geralmente ligadas a movimentos sociais. Além disso, o enfoque de sustentabilidade passa a ser adotado, assim como princípios de inclusão de raça, gênero e juventudes.

 

Se, por um lado, esse processo conquista novas frentes de atuação e colocam a extensão rural num outro patamar do desenvolvimento rural sustentável, hoje, contudo, outras demandas impõem revisões à Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater). Uma delas diz respeito à crescente percepção da importância das relações campo-cidade.

 

Contrariando a determinação da Lei nº 12.188/2010, que coloca a extensão rural como aquela que se restringe ao meio rural, várias instituições passaram a desenvolver, em espaços urbanos de agricultura, ações de promoção da segurança alimentar que muito oportunamente fortalecem a agricultura familiar.

 

Projetos de agricultura urbana e periurbana têm se mostrado importantes não somente pela produção em pequenas áreas como também pautam, a partir do abastecimento alimentar, a necessidade de aproximação com a agricultura familiar. O papel da extensão rural nesta atuação territorial passa a ser não mais rural ou urbana, mas, sim, articuladora dessas dimensões, que são complementares para a estratégia de superação da fome e da pobreza.

 

Atuando na interface entre extensão rural e agricultura urbana, o Projeto Extensão Rural e Agroecologia (ERA), parceria da UnB com o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural da Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Dater/SAF/MDA). Realizado em colaboração com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e mais outras 8 instituições de ensino e pesquisa nas regiões Norte, Nordeste e DF, vem atuando no projeto Agricultura urbana e periurbana baseado na agroecologia e economia solidária.

 

Para esta ação específica, desenvolve atividades nos territórios Sol Nascente, Ceilândia e Paranoá Parque, com objetivo de realizar levantamento de dados de implantação de hortas comunitárias e mapeamento da agricultura urbana e periurbana para que se possa analisar, a partir de uma metodologia de pesquisa-ação, a interface da extensão rural na agricultura urbana e periurbana, no contexto recente da instituição da Lei nº 14.935/2024 e sua interface com a extensão rural.

 

Segundo dados do IBGE (2014), no relatório Favelas e comunidades urbanas: primeiros resultados do universo, 7,1% da população do Distrito Federal (DF) reside em favelas, o que corresponde a 198.779 pessoas. Estudos do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPE/DF), baseados na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2021, revelam que mulheres pretas e pardas são a maioria da população no DF. No Sol Nascente, um dos territórios do projeto de agricultura urbana, 67,9% da população é composta por pessoas pretas e pardas e 10,8% têm arranjo familiar monoparental feminino. Além disso, 41,4% dos jovens da região nem trabalham e nem estudam. Entre as 33 regiões administrativas do Distrito Federal, o Sol Nascente ocupa o 32° lugar em vulnerabilidade social, segundo dados da PDAD (2021), não tendo superado esta condição desde a última contagem da PDAD (2018).

 

O projeto, que integra experiências de agricultura urbana em áreas de vulnerabilidade social nas periferias entre 2024 e 2025, possibilita a sistematização, a partir da prática, de recomendações e  adequações para a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Lei nº 12.188/2010), que abarque as ações voltadas à agricultura urbana e periurbana.

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