Rozana Reigota Naves
A data de 8 de janeiro entrou para a história brasileira como a culminância da tentativa violenta e golpista de subtrair a democracia. O discurso de ódio se converteu em palavras de ordem e força bruta, que destruiu os principais símbolos da República: os palácios dos três poderes, incluídas as obras de arte e as peças históricas que deles faziam parte e que foram restaurados e devolvidos, dois anos depois, em ato simbólico, aos espaços de onde nunca deveriam ter saído, ou, ainda, onde nunca deveriam ter sido tocados.
Discurso, palavras... o campo da linguagem e da comunicação tem sido utilizado intensivamente para os ataques à democracia e aos avanços civilizatórios da nossa sociedade. Cria-se a dúvida – sobre a eficácia das vacinas, sobre a segurança das urnas, sobre a importância da arte e cultura nacional etc. Planta-se a suspeição – sobre as instituições, sobre os agentes públicos. Difunde-se o medo e a mentira, que, no mundo conectado das redes sociais, e no submundo da deep web, sob a tese da liberdade de expressão – também falseada –, alcança e subverte inclusive as mentes escolarizadas.
O lançamento do Comitê UnB de Enfrentamento à Desinformação, em 8 de janeiro de 2025, compondo com as atividades que ocorreram na Esplanada, representa um ato de resistência e compromisso da UnB com a democracia, que segue ameaçada, e com a ciência, que acreditamos ser a chave para mudar esse estado de coisas.
As universidades públicas – que, não por acaso, têm sido fortemente atacadas – se constituíram como um dos pilares da democracia brasileira, um anteparo fundamental às medidas autoritárias e ao conservadorismo político e social, que ameaçam direitos, aprofundam desigualdades e impedem as transformações da sociedade.
É nossa responsabilidade, como universidade pública, fomentar o pensamento crítico e enfrentar a desinformação que fragiliza nossas instituições. O ambiente institucional da UnB deve fortalecer a cultura do respeito às diferenças e do diálogo como caminho para lidar com as divergências. Nosso trabalho deve priorizar a vivência democrática diária, que promove ação e engajamento político, seja por meio da formação acadêmica qualificada e humanizada, seja pela produção de ciência, arte, tecnologia e inovação.
Esse é o espaço de atuação do Comitê, cuja instalação também deu início às ações de promoção da democracia do nosso programa de gestão. Entre as ações propostas, destaco: a organização de debates qualificados sobre temas de relevância nacional, considerando o valor estratégico de uma Universidade na capital do país; o apoio a projetos e programas de ensino, pesquisa e extensão que tratem do tema das informações falsas e do enfrentamento à desinformação; a defesa da democracia e da soberania dos povos como valores fundamentais para a promoção de uma cultura da paz; e a defesa da ciência, da educação superior pública, de qualidade e emancipadora, e da autonomia universitária.
A composição do Comitê, por sua vez, considera a trajetória de pesquisa de docentes, como no caso da Comissão da Verdade, e a contribuição que já têm dado ao tema, inclusive em parcerias externas, com o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e organizações nacionais e internacionais. Inclui também a experiência e competência dos nossos técnicos, em áreas de grande interface com o tema, como é o caso da divulgação científica, dos setores de comunicação e de tecnologia da informação. Reforça, ainda, o diálogo com as entidades representativas dos três segmentos (docentes, técnicos e estudantes), com o objetivo de rechaçar negacionismos de toda sorte e de promover o engajamento científico e político, potencializando a construção de saberes para superar os desafios que estão postos.
Vale, nessa data que entrou para a história, lembrar o nosso fundador Anísio Teixeira. É dele o pensamento de que a educação é a mais difícil das democracias. Não temos dúvidas de que a UnB pode e deve atuar de modo consequente e propositivo na defesa da democracia. E de que o lançamento deste Comitê é também uma ação no campo da memória, essencial para que a história não se repita e para lembrar que os responsáveis devem ser punidos na forma da lei – sem anistia.
Vida longa à nossa jovem democracia!
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Publicado originalmente, em 10 de janeiro, no portal Correio Braziliense.
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