José Luís Oreiro e Adalmir Marquetti
Matéria recente do Valor Econômico (17/03/2025) divulgou estudo do IBRE/FGV indicando que a produtividade do trabalho no Brasil, medida pela razão entre o valor adicionado e o número de horas efetivamente trabalhadas, cresceu apenas 0,1% em 2024, desacelerando frente aos 2,3% de 2023. Entre 2019 e 2024, o aumento médio da produtividade por hora trabalhada foi de apenas 0,28% a.a. O resultado levanta um alerta sobre a sustentabilidade do crescimento do PIB per capita, que avançou 3,1% em 2024. Caso essa taxa fosse mantida nas próximas décadas, o PIB per capita dobraria até 2047, atingindo nível semelhante ao da Espanha no ano passado.
O PIB per capita resulta do produto de quatro variáveis: a produtividade por hora trabalhada, as horas trabalhadas por trabalhador ocupado, a taxa de ocupação e a taxa de participação. Em 2024, a taxa de ocupação aumentou 1,2% e a taxa de participação teve um acréscimo de 0,64% (PNAD-Contínua). Como a produtividade por hora trabalhada aumentou apenas 0,1% (IBRE), concluímos que a jornada média de trabalho dos trabalhadores ocupados aumentou 1,1%, explicando cerca de 37% do aumento do PIB per capita. A taxa de utilização do fator trabalho, resultado do produto entre a taxa de ocupação e a taxa de participação, aumentou 1,84%, respondendo por 59,35% daquele aumento.
A recente expansão da economia brasileira deveu-se a maior utilização da força de trabalho, com o aumento do número de pessoas efetivamente ocupadas e intensificação no uso da força de trabalho. Isso poderia sugerir um mercado de trabalho muito aquecido. Contudo, em 2024 o rendimento real médio do trabalho do empregado no setor privado com carteira assinada expandiu 2,9%, enquanto o aumento real do salário-mínimo foi de 2,0%.
O mercado de trabalho não está sobreaquecido. A dinâmica do mercado de trabalho no Brasil é distinta das economias maduras de renda alta, onde a força de trabalho já foi transferida para o setor moderno. O Brasil é uma economia dual, com parte importante da força de trabalho exercendo atividades de baixa produtividade no setor informal. Em janeiro de 2025, havia 19,2 milhões de pessoas ocupadas por conta própria sem registro no CNPJ, com rendimento médio 30% inferior ao rendimento médio de um trabalhador com carteira assinada no setor privado (Pnad-Contínua).
Políticas de estímulo à criação de empregos de baixa produtividade, impulsionadas pelo aumento do consumo das famílias por meio de transferências governamentais, como o Bolsa Família ou o BPC, podem acelerar o crescimento da economia brasileira. Esse efeito, observado nos últimos dois anos, ocorreu devido à maior absorção e intensificação do uso da força de trabalho.
Por maior que seja a elasticidade da oferta de trabalho devido à presença de desemprego disfarçado, é evidente que um modelo de crescimento baseado na intensificação do uso da força de trabalho não é sustentável nem desejável. A geração de empregos de qualidade e altos salários requer o aumento da produtividade do trabalho. É fundamental entender as causas do baixo crescimento da produtividade do trabalho no Brasil.
Para alguns economistas ortodoxos, a produtividade é um atributo intrínseco ao trabalhador, ou seja, depende da sua capacidade cognitiva e de aprendizado, o que se relaciona com a escolaridade. Logo, a estagnação do crescimento da produtividade decorreria da ausência de progressos na educação. No entanto, dados do Censo 2022 contradizem essa hipótese. Entre 2000 e 2022, a proporção de brasileiros com mais de 25 anos com ensino superior completo aumentou 2,7 vezes, passando de 6,8% para 18,4%. O percentual de pessoas sem instrução ou que não concluíram o ensino fundamental caiu de 63,2% para 35,2%.
Desde a Revolução Industrial na Inglaterra, em meados do século XVIII, a produtividade do trabalho tem crescido de modo persistente e cumulativo, impulsionada pela mecanização dos processos produtivos, ou seja, devido à elevação da quantidade de capital por trabalhador. Os bens de capital incorporam a maior parte dos avanços científicos e tecnológicos. É por intermédio da acumulação de capital que as inovações técnico-científicas podem se materializar em aumentos da produtividade do trabalho.
Em relação ao comportamento recente da relação capital trabalho, observa-se que, após um aumento transitório durante a pandemia de COVID-19, esse indicador vem apresentando queda desde 2022, tanto em termos de trabalhador ocupado quanto de horas efetivamente trabalhadas. Essa redução reflete uma taxa de investimento insuficiente para equipar os novos trabalhadores com o mesmo nível de capital disponível para os trabalhadores anteriormente ocupados.
Em suma, embora seja possível sustentar por alguns anos o crescimento elevado do PIB per capita apenas com uma maior e mais intensa utilização do fator trabalho, o Brasil precisa aumentar de modo significativo sua taxa de investimento para obter o aumento sustentado e cumulativo da produtividade do trabalho.
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Publicado originalmente, em 1 de abril, no portal Valor Econômico.
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