20 DE NOVEMBRO

Promovido pelo Nepfir, encontro apresenta ações para visibilidade de obras, promove roda de conversa com autoras e sarau com comunidade acadêmica

Idealizadora do Nepfir, Norma Hampton; coordenadora do projeto Visibilidade BCE, Fernanda Cordeiro; vice-reitor Enrique Huelva, cofundadora do Nepfir, Adelaide Santos; e a professora do IL Lúcia Barbosa na abertura do IV FLAME. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB


“Emancipem-se da escravidão mental/ Ninguém além de nós mesmos pode libertar nossas mentes”. Do auditório da Biblioteca Central (BCE), ouviam-se os versos de Redemption Song, música do jamaicano Bob Marley, entoados, em inglês, pela professora Norma Hamilton, do Instituto de Letras (IL), na tarde desta segunda (20). Ao pautar o tema da liberdade a partir da poética musical, a docente dava as boas-vindas ao público que acompanhava o IV FLAME: Ações de Reexistência na Luta Antirracista, atividade promovida na UnB em celebração ao Dia da Consciência Negra.

Organizado pelo Núcleo de Escritoras Pretas Maria Firmina dos Reis (Nepfir), o evento incentivou o debate e a valorização do protagonismo de escritoras pretas. Esse também tem sido o mote da atuação do Núcleo desde 2022, idealizado por Norma Hamilton juntamente à professora Adelaide de Paula Santos a partir de parceria com autoras pretas do Distrito Federal.

“A gente faz várias ações: desenvolvemos a leitura e a análise de obras de escritoras pretas em sala de aula com os alunos; fazemos TCC com os estudantes do Pibic sobre essas obras; estamos escrevendo uma coletânea que vai trazer análises das obras literárias produzidas por escritoras pretas; fazemos um clube de leitura e, no final do mês, a gente faz um webinário como forma de promover essas obras”, citou Norma, enumerando atividades do Nepfir para além da realização do FLAME.

Professora Norma Hamilton arrancou aplausos da plateia ao cantar Redemption Song, de Bob Marley, para celebrar a liberdade no Dia da Consciência Negra. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB


Adelaide Santos lembrou que foi por iniciativa da professora Norma que as obras de escritoras pretas do DF passaram a ser inseridas nas discussões em sala de aula no IL. Ao agradecê-la, Adelaide também ressaltou a importância do apoio e do reconhecimento a essas autoras e suas produções. “Não precisamos morrer para sermos lidas, pesquisadas, estudadas, valorizadas. Nós gostamos de receber homenagens em vida”, disse.

“Nós precisamos nos prestigiar, nos escutar, nos ler. Esse dia, que é chamado Dia da Consciência Negra, poderíamos chamar do dia em que a gente tomou posse dos nossos lugares. Muitas mulheres e homens negros morreram para que estivéssemos aqui”, frisou aos jovens negros e negras que estavam na plateia.

A ocasião foi também de celebração à iniciativa desenvolvida na BCE, com apoio do Nepfir, para ampliar a projeção a autoras negras. Coordenado pela bibliotecária do Setor de Organização da Informação e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, o projeto Visibilidade na BCE – Escritoras negras no catálogo da BCE: um foco na literatura brasileira tem desenvolvido estratégias para evidenciar as obras de mulheres negras disponíveis nos catálogos da Biblioteca.

Além da categorização dessas produções a partir de termos que facilitem as buscas por usuários da BCE, a iniciativa envolveu a aquisição de livros de escritoras negras do DF e do Brasil. “Construir uma biblioteca que seja engajada, emancipatória e antirracista exige um esforço ativo. A gente precisa de propostas que dialoguem com o que está posto, mas que, ao mesmo tempo, tensionem as regras e limites estabelecidos e convencionados para que a gente possa produzir algo novo, algo que seja capaz de transformar as nossas práticas existentes em práticas antirracistas”, ressaltou Fernanda Cordeiro.

A ação representa apenas um dos passos dados pela UnB para a estruturação de práticas de promoção à igualdade racial. O vice-reitor Enrique Huelva ressaltou o protagonismo que a instituição tem assumido na temática desde a aprovação da política de cotas para ingresso na graduação, em 2003, e, na pós-graduação, em 2020.

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“Isso é apenas o começo. Se a gente quer realmente transformar a Universidade, a gente não pode tratar as epistemologias esquecidas apenas como objetos a serem analisados, e como conhecimentos estáticos a serem tratados nas disciplinas, que constem nas emendas, mas, em especial, [temos que tratá-las] como conhecimentos de sujeitos que falam com voz própria e que reestruturam a Universidade e a sociedade.”

Desafios e experiências na autoria independente estiveram em destaque em mesa com escritoras pretas do DF. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB


CAMINHOS PRÓPRIOS – Escritoras pretas do DF também puderam compartilhar um pouco de suas trajetórias e do desafio de produzir obras independentes em uma roda de conversa. Idealizadora do Julho das Pretas que Escrevem no DF, a jornalista Waleska Barbosa relatou que o evento saiu do papel diante da falta de visibilidade e dos entraves para autopublicação por essas escritoras. O encontro, realizado desde 2020, celebra e reconhece o trabalho de mulheres pretas na literatura.

Segundo ela, o Julho das Pretas já mapeou 300 autoras e tem favorecido que elas se aproximem, troquem experiências, além de incentivá-las na escrita. “Tem sido muito bonito acompanhar a trajetória de todas essas mulheres ganhadoras de prêmios – às vezes nem são ganhadoras, mas conseguiram inscrever suas obras em prêmios –, que criaram coragem para fazer a primeira publicação, que criaram coragem para ir num sarau. É esse caminho que a gente faz umas pelas outras e umas com as outras, de quebrar as barreiras e tentar vencer os obstáculos.”

O Nepfir surgiu a partir do contato das professoras Norma e Adelaide com o evento em 2022 e da ideia de propor uma parceria entre escritoras pretas do DF e pesquisadoras da UnB. Dessa interação, abriu-se a possibilidade de trabalhar suas obras em sala de aula e inseri-las no acervo da BCE.

Para Waleska, essas conquistas devem ser celebradas, mas também ampliadas às diversas autoras negras existentes no DF. “O objetivo não é encerrar, não é dizer essas que estão aqui são as que escrevem no DF. Tem tantas e tantas, e de tantas formas: mulheres do rap, do slam, da oralidade, compositoras, de terreiro. O mais importante é jogar essas sementes para que nosso olhar não se acostume às ausências, para que a gente se abra à existência dessas mulheres pretas que escrevem de todas as formas, que publicam ou não.”

Jornalista e autora do livro Meu reverso, Elisa Mattos contou que cativou o amor pela escrita a partir de sua experiência no jornalismo cultural, mas que costumava guardar seus poemas para si. Em 2015, decidiu criar um site para registrar suas produções e, depois de aposentada, passou a dedicar-se exclusivamente à escrita literária. A partir daí, buscou aproximar-se de outras mulheres escritoras com a criação de um coletivo.

Apesar do gosto pela escrita, ela reconhece que os desafios para que suas obras se projetem são inúmeros. “Como edição independente, é uma luta muito grande, primeiro porque você não tem onde colocar o seu livro, não tem certeza da prateleira que ele vai ficar. Você tem que andar pelas feiras, você tem que ficar postando pelas redes sociais; de uma certa maneira, você tem que ficar se exibindo, dizendo ‘por favor, leia o meu livro, veja, eu juro que eu sou boa’, e ainda tem essa coisa de você se expor demais.”

A atriz Karla Calazans instigou os presentes a narrar suas histórias em apresentação de personagem de seu espetáculo Botões na Rua. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB


INCENTIVO À EXPRESSÃO – O FLAME foi também momento para aflorar a criação poética e literária. Para impulsionar o público a contar suas próprias histórias, a atriz e professora da Secretaria de Educação do DF Karla Calazans espalhou alegria ao performar a andarilha Fia de Dodó, personagem de seu espetáculo Botões na Rua que compartilha causos e canções ao sair do sertão em busca de um mar de botões.

A docente do IL Lúcia Barbosa também compartilhou relato sobre sua experiência de mais de 30 anos no ensino do português como língua de acolhimento para imigrantes em situação de vulnerabilidade. Ao final da tarde, foi a vez da comunidade acadêmica ter a oportunidade de declamar poemas e contar histórias em um sarau.

NA SEQUÊNCIA – Outras atividades nesta segunda (20) marcaram as comemorações do Novembro Negro na UnB. Duas aulas abertas incentivaram o debate sobre a atuação da sociedade nas questões raciais. Movimentos sociais, políticas afirmativas e a interseccionalidade foi tema de atividade promovida na Faculdade de Educação (FE), com a presença de pesquisadores dos programas de Pós-Graduação em Educação e em Direitos Humanos da UnB.

Na Faculdade UnB Planaltina (FUP), o assunto em destaque foi Questão racial, escola e currículo. Promovida pelo Coletivo de professores e professoras Negros e Negras FUP, a aula incluiu debate por profissionais da educação e das ciências ambientais. Houve ainda uma lavagem no campus e apresentação cultural promovidas pelo Ilê Odé Axé Opô Inle.

A programação do Novembro Negro segue até o dia 29 deste mês. A agenda é uma articulação da Coordenação da Questão Negra da Secretaria de Direitos Humanos (SDH/Coquen), do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), do Grupo de Estudos e Pesquisa Sobre Políticas, História, Educação e Relações Raciais e Gênero da Faculdade de Educação (Geppherg/FE), do Comitê Permanente de Acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa (Copeaa/Cepe), que reuniram iniciativas das unidades acadêmicas e de coletivos da UnB.

>> Saiba mais: Programação celebra o Novembro Negro na UnB

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