CIÊNCIA

Com base em dados de satélites, grupo do Instituto de Geociências (IG) monitora qualidade das águas do rio Paraopeba após rompimento da barragem de rejeitos

 

Pesquisadores do Aquasense mostram drone que será levado a Minas Gerais para medir a turbidez da água do rio Paraopeba. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

Integrantes do grupo de pesquisa Aquasense, ligado ao Instituto de Geociências (IG) da UnB, permanecem até terça-feira (12) na região de Brumadinho, em Minas Gerais. No local onde há duas semanas uma barragem de rejeitos de mineração rompeu-se e causou impactos socioambientais, os estudiosos coletam amostras de água e de sedimentos no curso do rio Paraopeba. Após o desastre, a bacia recebeu 12 milhões de metros cúbicos de lama: impacto para a biodiversidade fluvial e para as comunidades ribeirinhas.

 

“O aumento da quantidade de sedimentos no rio muda suas condições ecológicas. Isso pode comprometer a vida aquática, mas principalmente a extração de água para consumo humano das cidades que usam o rio como fonte de abastecimento”, diagnostica Henrique Roig, professor do IG e pesquisador do Aquasense. Desde o dia 28 de janeiro, o grupo tem subsidiado a Agência Nacional de Águas (ANA) com informações sobre o deslocamento da onda de lama pelo rio Paraopeba. Os dados são obtidos a partir da análise de leituras feitas por satélites.

 

“Temos um termo de cooperação, com o objetivo de subsidiar a ANA com várias técnicas que permitam um diagnóstico ambiental e das condições de qualidade da água. Isso facilita o processo de tomada de decisão do órgão”, explica Roig. Uma das principais preocupações dos cientistas é o aumento significativo da turbidez e da concentração de sedimentos em alguns trechos do rio. Esses critérios são empregados como indicadores da qualidade da água. Em Brumadinho, dados processados a partir de imagens de satélites apontaram evolução da concentração de sedimentos de 250 mg/L, no dia 22 de janeiro, para 500 mg/L, em 30 do mesmo mês – cinco dias após o acidente.

 

Os satélites que monitoram o avanço da lama de rejeitos são Sentinel 2 e Landsat 8, desenvolvidos pelas agências espaciais Europeia (ESA) e Americana (Nasa), respectivamente. As informações processadas também são direcionadas a um sistema de difusão cartográfico on-line operado pela ANA, o Hidrosat. Desenvolvida pelo Instituto francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), a plataforma integra ferramentas para o processamento dos dados de satélite e modelagem matemática.

 

“Essa é uma metodologia de ponta, porque ninguém faz isso no mundo. Sim, imagens de satélite já existem, mas um produto de informação que vai fornecer dados como concentração e turbidez da água e que vai ser diretamente utilizado por um usuário ou uma agência, isso não existia até então. Nós estamos fazendo”, diferencia Jean-Michel Martinez, colaborador no Programa de Pós-Graduação em Geociências Aplicadas e Geodinâmica da UnB e pesquisador do IRD, parceiro do Aquasense no levantamento.


Imagem indica concentração dos sedimentos nas proximidades de Brumadinho, de onde se iniciou a dispersão da lama pelo rio Paraopeba. Clique na imagem para ampliar. Fonte: Aquasense/IG-UnB

 

A equipe do grupo Aquasense viajou à região na última quinta-feira (7). Lá, pretendem obter novos registros aéreos, inclusive produzidos por drones. A análise presencial é complementar à que já vem sendo desenvolvida por meio dos dados de satélites. O objetivo agora é monitorar com mais detalhes a qualidade da água e o estado de eutrofização – acúmulo excessivo de nutrientes – nos lagos e reservatórios da região.

 

APLICAÇÕES – Os dados coletados têm sido utilizados em relatórios diários, disponibilizados no site da ANA. Além de auxiliar no monitoramento atual do rio, a aplicação desse conjunto de técnicas, a partir do uso de sensores espaciais, favorece a realização de estudos futuros sobre a situação dos mananciais atingidos pelo rompimento da barragem. Isso porque algumas consequências só serão percebidas ao longo de meses ou anos. 

 

Os pesquisadores acreditam que grande parte do volume de sedimentos esteja represado e só deve se deslocar com a ocorrência de chuvas futuras. “A maior vantagem da imagem de satélite é que conseguimos ver o rio em toda a sua totalidade. Esse dado histórico serve para a avaliação, daqui a um tempo, do que aconteceu, e para entender quais foram os prejuízos ambientais”, enfatiza o mestrando em Geociências Aplicadas e Geodinâmica, Henrique Borges.

 

OUTRAS PESQUISAS – Técnicas de sensoriamento remoto, modelagem matemática e geoestatística têm sido aplicadas pelo Aquasense para conhecer o comportamento de outras bacias hidrográficas no país. O grupo, constituído por outros órgãos e instituições de ensino e pesquisa, nacionais e internacionais, tem desenvolvido projetos em biomas de Cerrado, Caatinga e Amazônia, para promover avanços no campo da geotecnologia aplicada e colaborar na gestão dos recursos hídricos.

 

Essa abordagem também tem sido utilizada para avaliar a recuperação do rio Doce, após rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, 2015. A partir das imagens de satélite, está sendo traçado um panorama das condições do rio antes, durante e após o desastre. “Por enquanto, notamos que o rio Doce continua recuperando seu funcionamento, mas que não voltou ao estado de antes. Em alguns pontos, a turbidez da água continua bem alta no período de chuvas”, informa Jean-Michel Martinez.

 

Outros estudos da Universidade de Brasília analisaram, à época, os impactos ambientais na região e propuseram alternativas para a contenção dos rejeitos no rio Doce. Pesquisadores da Faculdade da Ceilândia (FCE), em parceria com o Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental (Giaia), estiveram no local para coletar amostras e avaliar a qualidade das águas e dos sedimentos do rio.

 

Coordenadas pela professora Vivian Santos, as análises, divulgadas em um relatório, demonstraram a concentração de metais além do limite previsto em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). “Metais como ferro e arsênio estavam acima da concentração permitida para uso no abastecimento de água à população”, lembra a docente.

Vivian Santos, professora do curso de Farmácia, liderou estudos sobre a contaminação das águas do Rio Doce por metais. Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

 

Na área da química, um projeto conduzido pelo professor Juliano Chaker, também da FCE, envolveu o desenvolvimento de nanotecnologias para retirada seletiva de contaminantes das águas do rio Doce. Testes realizados em laboratório apresentaram resultados positivos para determinados metais lançados no ambiente após o incidente.

 

“Com essa tecnologia, conseguimos retirar até 99% do cobre em água contaminada simulada em laboratório”, afirma Chaker. Os experimentos não foram realizados em campo, mas há expectativa para que o produto tenha aplicações futuras em situações como as ocorridas em Mariana e Brumadinho.

 

Atualmente, a retenção de minérios contaminantes, em casos como os de rompimento de barragem de mineração, é feita com a instalação de membranas capazes de filtrar partículas sólidas responsáveis pela turbidez da água. Apesar de ainda ter o custo menor do que as nanotecnologias, Chaker esclarece que a técnica apresenta limitações.

 

“O grande problema das tecnologias não-seletivas, como a de filtração por membrana, é que elas limpam a água demais, o que ocasiona a perda dos minerais essenciais e parte da biodiversidade. Já as nanotecnologias seletivas têm uma vantagem: elas conseguem fazer a retirada pontual do contaminante”, explica. O professor também tem se dedicado a pesquisas para o desenvolvimento dessas aplicações, com foco na retirada de poluentes em áreas de intensa atividade agrícola.

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