“Estamos em um momento de muita controvérsia sobre o porquê e para que servem as universidades.” Com a inquietação, o ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Leher incitou centenas de acadêmicos, pesquisadores e gestores de universidades de diversos países a refletirem sobre a função social das instituições de ensino superior. O discurso marcou a atividade inaugural da 9ª Conferência do Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa (Forges) nesta quarta-feira (20), no auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB).
A edição, voltada ao debate sobre a promoção do desenvolvimento humano nas universidades de comunidades lusófonas, segue até sexta-feira (22), no campus Darcy Ribeiro da UnB. Pesquisador em políticas públicas para a educação, Roberto Leher reconheceu a existência na atualidade de um debate político que questiona as atribuições das universidades e busca inseri-las em uma perspectiva utilitarista. Tal visão despreza a capacidade dessas instituições de interagir com a sociedade e atuar em favor do desenvolvimento humano.
Leher lembrou o papel de destaque das universidades no debate de temas de relevância social, política e econômica, assim como em momentos de grandes transformações na sociedade. A exemplo, ele mencionou a influência no movimento de maio de 1968 em diversos países e na inserção da França na Revolução Industrial. Além disso, destacou os avanços científicos promovidos em questões como saúde pública, educação, mudanças climáticas e produção de energia.
“Em um espaço curto de tempo, a expectativa de vida da sociedade saiu de 40 para chegar a 80 anos em alguns países. Grande parte dos conhecimentos que estão possibilitando esse aumento estão presentes nas universidades. Essa expectativa, no entanto, é muito desigual em outros países, e deve seguir mobilizando nossa inquietação ética”, ilustrou Leher, que foi reitor da UFRJ de julho de 2015 a julho de 2019.
O docente conceituou como ímpar o potencial das universidades de estimular o conhecimento sobre o passado para forjar o futuro, a partir de reflexões científicas sobre os dilemas sociais.
“É muito importante que não percamos de vista que a universidade é uma instituição única, na medida que pode tornar pensável cenários do futuro, de maneira ética e com autonomia do pensamento crítico e científico.”
O compromisso ético das instituições de ensino superior com o bem-estar dos povos, vem, na avaliação do pesquisador, da herança de valores do Iluminismo, da modernidade e da Revolução Francesa, como o uso autônomo e crítico da razão, a liberdade, a igualdade social, além das noções de desenvolvimento e progresso. Nesse sentido, o pesquisador considera importante que as instituições não percam de eixo tal visão e continuem a alavancar essa vocação em suas próprias políticas institucionais, seja expandindo o acesso ou fomentando a interculturalidade e a internacionalização.
Consideradas as conexões já existentes entre as comunidades lusófonas, ele acredita que a ampliação da interação entre instituições dessas regiões é fundamental para traçar estratégias em benefício das questões sociais dessas localidades. “É necessário ampliar a capacidade de diálogo no que nos caracteriza como irmãos de uma história. Devemos potencializar as formas de pensar a universidade para que essa capacidade de interação contribua para o desenvolvimento humano."
Docente do Instituto Superior de Serviço Social de Luanda e pesquisador na área da educação ambiental, Daniel Nuondo acompanhou a abertura da Conferência Forges e considerou as discussões pertinentes para o momento atual. Para o professor, “é importante que a academia se volte para essa temática, no sentido de estar mais próxima das comunidades por meio de projetos concretos”. Ao participar da edição, ele espera aprimorar sua formação acadêmica e profissional, além de compartilhar resultados de suas pesquisas.
RECEPÇÃO – Representantes das instituições organizadoras do evento, a reitora Márcia Abrahão, o presidente da Associação Forges, Paulino Fortes, e a reitora do Instituto Federal de Brasília (IFB), Luciana Massukado, deram as boas-vindas aos participantes em sessão de abertura. A programação também contou com apresentação artística de integrantes do projeto Pés, iniciativa da UnB que busca a inclusão de pessoas com deficiência por meio da dança e do teatro.
Márcia Abrahão frisou a importância da conferência para a discussão de temas caros aos gestores das universidades na atual conjuntura. Sob o guarda-chuva do desenvolvimento humano, tema que norteia a programação, a reitora lembrou o vanguardismo, a excelência e a vocação humanista da instituição.
Tal prestígio se confirma, segundo a gestora, na implementação pioneira da política de cotas, na aprovação da política de acessibilidade, na criação do Conselho de Direitos Humanos, na adoção do nome social e em outras iniciativas que evidenciam a atuação da UnB no âmbito. “Reafirmamos que nossa missão é formar pessoas para o exercício da cidadania e do pensamento crítico, capazes de pensar respostas para as questões da sociedade”, disse a reitora.
O presidente da Forges, Paulino Fortes, ressaltou a empreitada da associação na construção de uma rede científica e de interação entre as instituições, que valorize a produção do conhecimento e a atuação do ensino superior nas comunidades de língua portuguesa. “A Forges está a contribuir para o aumento da qualidade dessas instituições e, indiretamente, está induzindo a centralidade da visão científica para pensarmos a sociedade”, afirmou.