OPINIÃO

Bruno Lara é jornalista e pesquisador. É doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio Janeiro e tem pós-doutorado na mesma área pela UnB.

Bruno Lara1

 

A vida em sociedade tem nos proporcionado nos últimos anos, especificamente, muitas oportunidades de conhecimento, ensino, aprendizado, experiências, aventuras, conquistas, realizações, diferentes formas de explorar o mundo etc. – claro que o “desenvolvimento” não se restringe a oportunidades somente. De fato, parece que o número de opções e de escolhas cresceu bastante e, consequentemente, a responsabilidade pela tomada de decisões também é mais visível.

 

A tecnologia teve e tem papel decisivo na formulação desse cenário. Nas décadas recentes, a tecnologia (modernamente falando) passou a fazer parte, praticamente, de todas as dimensões da nossa vida. Parece que está mais enraizada no nosso cotidiano. Mais do que simpática a nós, a tecnologia é “quase obrigatória” para o estilo de vida que “escolhemos”. Sem ela, a tecnologia, “paramos no tempo” – pelo menos é a sensação que desperta em muitos de nós.

 

Uma aplicação clara é nos meios de transporte, que hoje são mais rápidos, eficientes e seguros do que há poucas décadas, sem falar em séculos e das civilizações antigas. E a comunicação, então…!! Tudo deve ser instantâneo, interativo, de interface intuitiva e usabilidade acessível. O comunicar é agora, é imediato, direto, customizado. A tendência é cada vez menos cultura de massa. Tudo é rápido e direcionado.

 

Tudo isso – as tecnologias e as narrativas de vida contemporâneas –  traz repercussões diretas e profundas em todas as esferas da vida. Não é preciso, necessariamente, “alguém” para nos dizer como a vida funciona e como devemos interpretá-la. Os ensinamentos estão aí, difusos, moldando e nos remoldando de diversas formas, por todos os lados, inclusive pelas redes sociais.

 

O nosso repertório informacional e a nossa fluida estrutura cognitiva, as nossas sensações e emoções, a nossa estética, a maneira de lidarmos com o espiritual, de projetarmos políticas públicas…tudo isso afeta e é afetado pela configuração de vida em que nos inserimos, pelo projeto do qual fazemos parte, consciente ou inconscientemente. Os fenômenos sociais não são tão, digamos, espontâneos e aleatórios.

 

O que não falta hoje são estímulos. Nunca faltou, na verdade, mas parece que hoje a intensidade é maior, o volume é mais robusto e as teias são mais complexas. Áudios, vídeos, audiovisuais, textos, hipertextos, luzes, memes… por trás de muito disso estão visões de vida, interpretações de como deveríamos viver, nos relacionar, construir saberes e difundirmos conhecimentos.

 

Esse cenário requer de nós cautela, reflexão e um retorno a nós mesmos, a quem somos, onde estamos, como chegamos até aqui, para onde queremos ir, como queremos ir e com quais valores desejamos lidar. De fato, é difícil esse respirar, porque a intensidade dos hiperestímulos tende a promover desatenção. Muitas vezes somos replicadores de ideias, agimos de forma inconsciente para construir e consolidar projetos, muitos dos quais integramos sem nos darmos conta, dada a nossa ação e reação automáticas. Por isso, esse processo de retorno ajuda a assumirmos a nossa autonomia, a nos emanciparmos, sem nos desconectar com as funções sociais que nos cabem enquanto seres políticos.

 

Queiramos ou não, a gente integra projetos de sociedade, idealizações de vida – projetos, no plural mesmo. Alguns deles podem ser divergentes, e frequentemente o são. A escola e a universidade, por exemplo, embora integrem o sistema do Ministério da Educação, têm padrões de ensinamentos e comportamentos variados, conforme a instituição. A organização na qual trabalhamos (colaborador ou proprietário), a igreja que frequentamos, a nossa família e até a academia de ginástica e musculação trazem consigo valores que buscam orientar o nosso comportamento e a maneira de lidarmos com a vida.

 

A vida social é feita de sistemas, de organizações (públicas, privadas e mistas) que se entrelaçam, completam e divergem. Há coletivos estruturados com CNPJ, há as organizações difusas, sem sistematização oficial e que transcendem espaços físicos com letreiros e horários de funcionamentos. Alguns dos principais elementos que nos influenciam e nos forma são difusos, não ensinados através de modelos esquematizados em currículos e testes. A informação e o conhecimento não se deixam limitar por campos – são como gel que não se aprisionam nas nossas mãos.

 

Possivelmente, na sociedade contemporânea essa complexidade organizacional seja ainda mais intensa, o que dificulta (ou pode ser um fator de dificuldade para) o entendimento do ambiente em que atuamos, a que projeto servimos. Mas, utilizemos os hiperestímulos a nosso favor. Após nos reencontrarmos com valores com os quais temos afinidade e termos mais clareza sobre como construímos e manifestamos a nossa subjetividade, sobre como interagimos e sobre o nosso posicionamento nessa gigante teia social, poderemos nos lançar com mais segurança, amadurecimento e rigor ao bombardeio de orientações que diariamente nos impacta.


Referências:


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Lyotard, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. José Olympio, Rio de Janeiro, 2004.

 

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Jornalista da UnBTV; doutorado em Ciência da Informação.

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