OPINIÃO

Jonas Chagas Lucio Valente é jornalista da Empresa Brasil de Comunicação. Mestre em Comunicação e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. E integra o Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB e a Coalizão Direitos na Rede.

Jonas Valente

 

Essa é uma afirmação com grandes chances de unanimidade. Mas como? Aí é que mora o problema – e um grande problema. Sob o argumento de combater esta prática, o Senado Federal votará nesta quinta (25) o Projeto de Lei 2.630/2020, cujo relatório – do senador Angelo Coronel – acaba de ser protocolado.


Tornado público menos de 24 horas antes da votação (o que, em si, é um escândalo), o texto segue colocando em risco a privacidade dos usuários de internet e, consequentemente, a liberdade de expressão. Isso porque transforma todos em criminosos em potencial ao determinar que, para usar uma rede social ou aplicativo de mensagens, será obrigatório ter um celular e apresentar documento de identificação válido.


Esta exigência traz primeiro um caráter excludente, uma vez que milhões de brasileiros não possuem nem documento de identidade, nem celular. Em que pese os números anunciados de mais de um chip por pessoa no Brasil, isso se deve à posse de mais de um acesso por usuários com maior renda. Ainda há muita gente no Brasil fora do circuito e que, portanto, seria impedido de usar uma rede social em um computador.


Mas a obrigação tem um potencial mais preocupante. Ela amplia em muito a vigilância sobre os dados das pessoas. Isso dificulta a atuação de quem se protege legitimamente de ofensivas autoritárias.


O texto do senador Coronel impõe ainda que aplicativos de mensagem, como o WhatsApp , guardem as interações entre as pessoas de mensagens com encaminhamentos em massa . Ou seja, se você passou uma mensagem ou se participar de algum grupo e alguém, lá na frente, decidir questioná-la na Justiça, você poderá ser punido a posteriori. Esse cenário será trágico para o ativismo social ou até para os próprios políticos.


Os dispositivos incluídos no texto atacam em cheio uma série de direitos já previstos na legislação. Pois a Constituição Federal consagrou o princípio da presunção de inocência, e não da presunção de culpa, como coloca o texto. A Carta Magna também elenca o respeito à privacidade, cuja interpretação do Supremo Tribunal Federal em julgamento, neste ano, expandiu para reconhecer a proteção de dados pessoais como um direito autônomo.


E em que consiste este direito? A Lei Geral de Proteção de Dados disciplina por meio de princípios e diretrizes, entre os quais o da necessidade , segundo o qual a coleta de dados deve ser o estrito necessário para uma determinada finalidade. Tal princípio não é uma invenção brasileira, mas uma diretriz largamente utilizada por legislações de proteção de dados em democracias de todo o mundo.


Sob a promessa de combater as fake news, o texto piora o problema ao dar mais informações às plataformas – informações que serão utilizadas em seus sistemas de personalização de anúncios e filtragem de mensagens juntamente com os likes , reações , fotos e posts produzidos diariamente por nós em rastros digitais. São esses recursos os utilizados pelas fábricas de desinformação e gabinetes do ódio contra quem questiona poderosos na rede. Desta maneira, o remédio deverá ter efeito contrário e abastecer a lógica do sistema que atualmente tem na desinformação não somente uma prática comum como um negócio lucrativo.

 

Clique aqui para ler o artigo na íntegra.

 

____________________________________________

Publicado originalmente em Portal Uol em 24/6/2020

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.