OPINIÃO

 

Renata Queiroz Dutra é professora de Direito e Processo do Trabalho da Universidade de Brasília. Doutora Direito, Estado e Constituição pela UnB. Líder do grupo de pesquisa Transformações do Trabalho, Democracia e Proteção Social.

 

 

Ricardo Colturato Festi é professor do Departamento de Sociologia (SOL) do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Sociologia pela Universidade de Campinas (Unicamp).

Renata Dutra e Ricardo Festi


Os entregadores por aplicativos deram um grito no dia 1 deste mês e denunciaram a insustentabilidade das condições de trabalho a que vinham sendo expostos, bem como o seu agravamento pela pandemia. A articulação realizada, em grande parte à margem de qualquer organização instituída, demonstrou a força da insatisfação: embora não houvesse consenso quanto à sustentação do pedido de vínculo de emprego com as empresas plataformas, motivo pelo qual o pedido ficou fora da pauta, os entregadores foram assertivos em recusar a condição de parceiros ou empreendedores que as empresas insistem em sustentar.

Apresentaram uma pauta de reivindicação tipicamente trabalhista e utilizaram-se de instrumento que os identifica historicamente como trabalhadores: a greve. De fato, a cena política foi movimentada pelos entregadores e se vê, desde então, disputa pela narrativa e pela representação da categoria. Além das ações grevistas, observaram-se movimentos significativos nas casas legislativas do país, tanto nas esferas municipal e estadual, quanto na federal.

A Câmara de Vereadores de São Paulo, em 14 de julho, recebeu o Sindimoto para ressaltar o apoio ao PL 578/2019. Para a entidade sindical, a categoria não necessita de nova legislação, pois ela já existe (leis 12.009/2009, 12.436/2011 e 12.997/2014). A estratégia, então, seria fazer que essas leis sejam aplicadas e fiscalizadas.

No Distrito Federal, o deputado Fábio Félix propôs, a partir de diálogo com a Associação de Motoboys Autônomos e Entregadores do DF (Amae), o PL 937/2020, que invoca a proteção da CLT para entregadores por aplicativos, disciplina os pontos sensíveis das condições de trabalho da categoria, além de obrigar as empresas a manter pontos de apoio para alimentação, higiene, sanitário e repouso dos trabalhadores. O PL, endereçado à Câmara Legislativa do DF, embora tenha trânsito limitado em face da competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho, movimentou a cena política local e articulou as organizações de trabalhadores em torno de uma proposta.

 

Na Câmara dos Deputados, teve destaque o PL 3.748/2020, proposto pela deputada Tábata Amaral (PDT), que, em seguida, teve a adesão da deputada Fernanda Melchionna (Psol) como coautora. Elas buscam, aproveitando-se das demandas dos entregadores, mas sem o apoio dos grupos organizados, criar regime especial de contrato de trabalho; o contrato por demanda; no qual, embora sejam reconhecidos (de forma monetizada) direitos trabalhistas mínimos, afasta-se, a priori, o vínculo empregatício tradicional. E, com isso, a possibilidade de proteção mais ampla para a categoria, sobretudo no que toca ao limite de jornada, à contagem do tempo real à disposição dos aplicativos como parte da jornada e à garantia da remuneração mensal mínima.

A distinção entre as posições descritas, que retratam, em parte, a heterogeneidade do próprio movimento dos entregadores; que se encontra em fase de formação e, por isso mesmo, de disputa; não nos impede de mapear riscos e possibilidades na tradução política do movimento grevista deflagrado no primeiro dia deste mês que será revigorado amanhã.

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 24/7/2020.

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