OPINIÃO

Marcio Gimenes de Paula é graduado em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (1999), graduado em teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Independente (1994), mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Atualmente é professor associado do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília. Suas pesquisas versam sobre Filosofia da Religião, Ética, Kierkegaard e cristianismo

Marcio Gimenes de Paula

 

Geraldo Filme escreveu um samba chamado Silêncio no Bixiga. Ali, num samba dolorido, o poeta relembra a morte do Mestre de bateria Pato N´Água, assassinado pelo Esquadrão da Morte na ditadura militar. Num dos versos se pode ler: “O Bixiga está de luto...”.


Hoje, passados quase 50 anos daquele episódio, estamos todos de luto. Somamos mais de 235 mil mortos pela covid-19. Pela primeira vez, por conta da pandemia, não poderemos nos reunir nas avenidas, nas ruas, nas praças, nos clubes. Não poderemos cantar, dançar e sambar nesses dias. Na verdade, não haverá folia. São dias amargos no Brasil e no mundo, por isso é preciso cautela e afastamento social.


O Carnaval brasileiro, mundialmente conhecido, é uma das mais lindas faces da nossa resistência cultural a todo tipo de opressão. É nele que, ao menos por três dias, igualamos todos os desiguais e onde fazemos do nosso pranto alegria e semente de esperança. Nele, todos os foliões ultrapassam as mazelas e podem se tornar reis e rainhas por um dia. Isso pode ser pouco e até insuficiente, mas nunca imaginamos que poderíamos perdê-lo. Os tempos atuais nos tiraram isso.


Contudo, parece sintomático perdermos tal alegria num país tão marcado pela morte. Não apenas pelas vidas ceifadas pela peste, mas por uma cultura de morte instalada entre nós trazendo armas de destruição, destruindo sonhos, destruindo vidas indígenas, destruindo o Pantanal, destruindo a Amazônia, destruindo reputações, semeando mentiras, ódio. Somos (des) governados pelo diabo, aquele que gosta e investe nas divisões. Vivemos um pesadelo. Falta-nos ar, falta-nos oxigênio.


Há um clima de guerra. O sincretismo, traço marcante da cultura brasileira, é desprezado. Religiões, formadoras da identidade nacional, sofrem perseguição e menosprezo oficial. Agentes de marketing travestidos de religiosos triunfam. Aqueles que deviam cuidar da ordem pública se alçam além de suas funções e se lambuzam em ilegalidades pagas com o dinheiro público, o mesmo que falta para pagar auxílios emergenciais, oxigênios, leitos em hospitais e ampliar a oferta de vacinação.


Em meio a tudo isso, a ciência brasileira, tão injustamente atacada e boicotada, é aquela que nos fornece agora alguma esperança a fim de vencermos o vírus e avançarmos para melhores dias. Por isso, é preciso, cada vez mais, vencer a desinformação, a má-fé, a hipocrisia, o negacionismo diabólico e genocida.


Apesar de tudo, o povo brasileiro resistirá, tal como diz a letra de Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho: “O sol há de brilhar mais uma vez...”. Voltaremos a sambar quando tudo isso for afastado, quando exorcizarmos o nosso demônio, pois como dizem eles: “Quero ter olhos pra ver a maldade desaparecer”.


Chico Buarque tinha razão: “Quem me vê sempre parado e distante garante que eu não sei samba, mas eu estou me guardando para quando o carnaval chegar”. E ele vai chegar. Viva o povo brasileiro!

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