OPINIÃO

 

Rodolfo Luiz Costa de Godoi é é sociólogo e artista de teatro. Professor na Secretaria de Educação do Distrito Federal, e fundador do Instituto Cultura, Arte e Memória LGBT+

Rodolfo Luiz Costa de Godoi 

 

Em 2011, a professora Lourdes Bandeira retomava às suas atividades no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília após alguns anos como gestora na Secretaria de Planejamento e Gestão da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República. Os demais colegas de graduação e eu estávamos ansiosos pela chegada da Professora, da qual tanto tínhamos ouvido falar. Como estudantes, tivemos a oportunidade de aprender com uma profissional que, além de ampla trajetória intelectual, não se furtou à árdua tarefa de implementar políticas públicas e sociais com significativo impacto na promoção da justiça social e do enfrentamento à violência contra às mulheres.

 

Na universidade, tanto como professora, quanto como orientadora, Lourdes Bandeira atravessou seus estudantes ao prezar por reflexões qualificadas, leituras atentas, análises críticas, ao mesmo tempo em que sempre esteve avessa a qualquer paroquialismo de pensamento. Era famosa pela sua exigência em sala, com o cumprimento dos acordos estabelecidos, e com o comprometimento das e dos estudantes - o que era equivalente às exigências que tinha sobre si mesma. Assim, entendemos que uma aula de qualidade era uma responsabilidade de todas e todos nós, docentes e discentes. Como orientandos, nós sempre tivemos liberdade para pensar, propor, contrapor e discordar. Sua leitura de nossas produções sempre foi simultaneamente minuciosa e afetiva. Aprendemos com ela que as ciências sociais só poderiam ser feitas com muito esforço e trabalho. Àquelas e aqueles que tiveram a oportunidade do convívio íntimo, encontraram também carinho e acolhimento.

 

Não podemos nos esquecer que as vitórias e conquistas das mulheres nas últimas décadas - história da qual ela inegavelmente faz parte - também está atravessada por repressões das quais ela, infelizmente, foi alvo por inúmeras vezes. Na última década, nós, cientistas sociais, enfrentamos a perseguição de nossas atividades, especialmente ao passarmos a atuar diretamente na educação básica (marco histórico da Lei 11.648 de 2008). O ensino da sociologia das relações de gênero tem sido sistematicamente ameaçado em níveis federais, estaduais e municipais. Temos sido acuados por políticos, organizações conservadoras e grupos religiosos que tentam determinar uma perspectiva única e desigual para nossas identidades e desejos. Muitas vezes somos desmerecidos por estudantes, questionados em nossas práticas pedagógicas pelos responsáveis dos mesmos, e até vítimas de processos administrativos e judiciais - quando não ameaçados e difamados. Nesses tempos difíceis, o vigor, rigor e força da Professora Lourdes Bandeira sempre seguirá sendo uma referência para mim. Nas trincheiras diárias contra o obscurantismo, sua memória é combustível para seguir em frente. Façamos o que deve ser feito.

 

 

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