OPINIÃO

Júlio Barêa Pastore é professor de Paisagismo da FAV/UnB e coordenador de Parques e Jardins da PRC/UnB. Agrônomo pela Universidade Federal de Goiás. Mestre em Paisagismo pela Università degli Studi di Firenze, Itália. Doutor em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo. 

Júlio Barêa Pastore

 

Jardim de sequeiro - ICC/UnB

O Jardim de Sequeiro é um jardim temporário, que nasce, cresce e floresce em poucos meses. Sem irrigação, aproveita as chuvas e a seca com a chegada do inverno, adequando-se à paisagem do Cerrado e suas estações. No primeiro dia de aula deste semestre letivo, em 17 de janeiro, o jardim entrou no período de floração, que deve durar pelos próximos meses.


As flores ocupam o vão central do Instituto Central de Ciências (ICC) – edifício icônico da arquitetura moderna brasileira, projeto de Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima (Lelé), de 1962. Estão pelos módulos sequenciais do vão central do ICC, atingindo comprimento total de 730 metros por 15 metros de largura. Com mais de 5.000 m² de área plantada sobre laje, o jardim inteiro cresce sobre fina camada de terra, de 20 centímetros no topo a 40 centímetros no fundo das calhas.


Um jardim tradicional, perene, para ocupar este espaço, necessitaria de irrigação durante a seca. Foi justamente em consequência disso que, devido às recentes crises hídricas e mudanças na prestação de serviços de jardinagem da Universidade, a vegetação ornamental se perdeu entre 2016 e 2018. Neste contexto, projetou-se um jardim com baixo custo de execução, implantado por sementes, utilizando capins nativos do Cerrado e flores tradicionais de ciclo curto.

Jardim de sequeiro - ICC/UnB


Ao final das chuvas, o jardim adquire os tons do inverno, com variedades de tons de marrom, castanho e palha, dos mais escuros aos quase brancos. Entra, a partir de então, no ciclo seco, ainda passível de interesse estético, pelas estruturas e cores que as plantas assumem, e capaz de oferecer serviços ecológicos. Nesta etapa, se colhem as sementes para a próxima estação, onde o jardim poderá renascer renovado, reinventado.


Seu primeiro ciclo foi nas chuvas de 2020/21. Semeado em dezembro de 2020, com ressemeaduras pontuais até fevereiro de 2021, floresceu até maio de 2021, quando da chegada da seca. Apesar das dificuldades, próprias das novidades, os resultados foram consistentes.

Jardim de sequeiro - ICC/UnB


No momento em que este texto é escrito, o jardim, completamente redesenhando, reinventado para o ciclo 2021/22, já está em plena floração das espécies precoces do ciclo de 2021/22.


Há uma grande expectativa: esperamos que, com a volta gradual das atividades presenciais, o ICC volte a ser o ponto central da vida acadêmica da UnB, e que este jardim se torne, agora, de fato público. Esperamos que ele possa encantar. Que possam perceber beleza nele mesmo quando sua vegetação se secar, no próximo inverno, em sintonia com o Cerrado.


Para tanto, estamos planejando, para além das atividades de pesquisa e ensino, diversos eventos de extensão: oficinas de aquarela, fotografia, manejo de abelhas nativas, arranjo de flores, coleta e beneficiamento de sementes, além de visitas guiadas e palestras para o público interno e externo, em um esforço de comunicar as razões do jardim, suas belezas e suas inovações técnicas.

Jardim de sequeiro - ICC/UnB


Para mim, a maior lição tem sido me confrontar com uma verdade enorme: nós, paisagistas, muito nos ocupamos do projeto dos espaços, por vezes, nos esquecemos que nosso campo é, talvez mais que todas as artes, escravo do tempo. Tempo de plantar, de crescer, de florescer, de secar. E o tempo em que deixará de ser, de se transformar. Que sempre haja o tempo de se renovar! Aliás, grande desafio o dos paisagistas: arte que demanda tempo e, ainda assim, a mais transitória de todas.

 

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