OPINIÃO

 

Jorge Madeira Nogueira é professor do Departamento de Economia da UnB.

Jorge Madeira Nogueira*

 

A Suécia sedia o evento oficial comemorativo do Dia Mundial do Meio Ambiente de 2022 no próximo 5 de junho. Em conjunto com o Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (Pnud), o governo sueco relembra a primeira conferência mundial sobre a problemática ambiental – United Nations Conference on the Human Environment – , a sempre referenciada Estocolmo 1972. Para completar todo o simbolismo, com representantes de mais de 150 países, o evento recupera o mote do encontro iniciado em 5 de junho de 1972: Only One Earth.

Cinquenta anos se passaram. Antes que alguém entre os meus leitores levante a hipótese de que eu teria participado ativamente do primeiro Dia Mundial do Meio Ambiente, adianto que não. Eu não estava. Na verdade, naquele momento eu tentava concluir meu semestre como calouro de Economia na UFRJ. Enquanto ocorria, Estocolmo 72 passou despercebida pela maioria esmagadora dos/das jovens brasileiros (as) que tinham preocupações mais urgentes na agitada realidade nacional de então. Não obstante, nos meses e anos seguintes o pavio acesso naquele encontro passou a iluminar inúmeras mentes.

Estocolmo 72 ocorreu como um encontro de ideias e de objetivos discordantes. Ela por pouco não aconteceu. Terminou com manifestações oficiais desconexas. As cinco décadas seguintes mantiveram essas discordâncias e esses conflitos, escamoteados sob discursos genéricos – muitos deles cínicos – de que vivemos em “uma única Terra”. Pode ser fisicamente única. No entanto, é uma Terra com interesses financeiros, econômicos e sociais divergentes e, muitas vezes, conflitantes entre países e dentro de cada país. Essas diferenças tornaram a problemática ambiental fascinante para cientistas, leigos e políticos de diferentes matizes. 


Em nível internacional, avançamos. Neste exato momento, estão em vigor quase 2.300 acordos ambientais bilaterais e 1.450 acordos multilaterais (ver https://iea.uoregon.edu/). Alvíssaras! No entanto, a maioria deles sem eficácia alguma, com as partes simulando um pérfido esforço para cumprir compromissos assumidos. Chefes de governo explicitam suas prioridades ambientais, rapidamente relegadas a um segundo plano quando afloram outras prioridades “mais urgentes”. Diriam eles: meio ambiente a gente vê depois. Alguns deles são atentíssimos – do alto de uma soberba colonialista - para apontar problemas ambientais em países alheios, ao mesmo tempo que desfiguram políticas ambientais para disfarçar subsídios ambientalmente perversos para os seus ineficientes produtores rurais.


A imensa distância entre a aparência e a essência no tratamento da problemática ambiental se repete dentro do Brasil. Avançamos? Sim, quantitativamente avançamos muito desde o estabelecimento da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) em 1981 e do capítulo de meio ambiente na Constituição de 1988, resultado de um esforço hercúleo de um único constituinte. Poucos países estabeleceram tantas leis, regulamentos e regulações ambientais em tão curto espaço de tempo. No entanto, pouco avançamos qualitativamente. Continuamos acreditando no poder miraculoso do uso exclusivo de instrumentos de comando e controle para mudar o comportamento degradador ou poluidor de consumidores e produtores. Na realidade, estabelecemos o regulamento (comando) e fingimos de estamos monitorando, identificando e punindo (as etapas do controle).


Cinismo e interesses escusos bloqueiam tentativas de avanço. Tentativas que estão presentes na Política Nacional de Recursos Hídricos com a cobrança pela água bruta, que foi devidamente desvirtuada. Com a lógica da exclusividade do comando e controle presenteamos a sociedade brasileira com o racionamento da água. Racionamento vendido como evidência dos limites da disponibilidade da água. Na verdade, racionamento é evidência da ilimitada incompetência de administradores públicos. Tentamos avançar com as Cotas de Reserva Ambiental (CRA) no Código Florestal de 2012, cuja implantação foi adiada por quase oito anos por tentativas de grupos de interesses pervertidos de prosseguir com seu acesso a recursos públicos para financiar projetos de conteúdo deplorável que dissimulam proteção à diversidade biológica deste país.

Comemoremos o Dia Mundial do Meio Ambiente. Temos razões para comemorar. No entanto, tenhamos claro que nem todos os discursos e/ou ações de sustentabilidade ambiental refletem eficazes, eficientes e equânimes alternativas para mantermos saudável nossa única Terra. É sempre relevante lembrar que o recente relatório Making Peace with Nature do Pnuma destaca que transformar sistemas sociais e econômicos significa melhorar nossa relação com a natureza, entender seu valor e colocar esse valor no centro da tomada de decisões.

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*Leciona e pesquisa em Economia Ambiental, com ênfase em avaliação de políticas ambientais, economia da diversidade biológica e das mudanças climáticas e valoração econômica do meio ambiente. Participa do Programa de Doutorado em Economia, coordenado o Mestrado Profissional em Gestão Econômica do Meio Ambiente, que completa 25 anos de funcionamento em 2023. 

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