OPINIÃO

Ana Elisabete Medeiros, Ana Clara Giannecchini, Flaviana Barreto Lira e Oscar Luís Ferreira são professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB).

 

Ana Elisabete Medeiros, Ana Clara Giannecchini, Flaviana Barreto Lira e Oscar Luís Ferreira

 

27 de maio de 2009: o então Reitor, José Geraldo de Sousa Júnior, criou por meio do Ato da Reitoria nº 1269, o Sítio Histórico da Universidade de Brasília englobando os prédios da SG1, SG2, SG4, SG8, SG9, SG10, SG11 e SG12, a OCA II, o conjunto da Faculdade de Educação (FE1, FE3 e FE5), a Praça Edson Luís e a quadra esportiva José Maurício Honório Filho1. Você sabia?

 

Se você respondeu “sim”, você faz parte de uma minoria. Se você respondeu “não”, você se soma aos muitos da comunidade universitária e brasiliense que desconhecem esse acontecimento mesmo hoje, decorridos mais de treze anos. A questão é que conhecer esse ato de criação do sítio histórico é passo importante para o entendimento dos valores que a esses e a outros bens do Campus Darcy Ribeiro possam ser atribuídos - a despeito de não serem reconhecidos oficialmente pelo instituto do tombamento como patrimônio cultural, nem no âmbito do Governo do Distrito Federal, nem do Governo Federal - sobretudo agora que estão em curso estudos técnicos que visam a elaboração do Plano Diretor do Campus Darcy Ribeiro2 2022/2032. Isso porque, dentre os sete eixos temáticos elencados que alicerçarão o Plano, destacamos aqui, o de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural.

 

A intenção desse Eixo, de acordo com o Edital GRE/Infra/DPI nº 0001/2022, é levantar, atualizar, mapear e sistematizar dados capazes de embasar as propostas a serem apresentadas no Plano Diretor propriamente dito, na sua qualidade de instrumento de planejamento e gestão territorial, arquitetônica, urbanística e paisagística, respeitados o Projeto Político-Pedagógico Institucional, o Regimento Geral e o Estatuto da Universidade de Brasília.

 

Embora cientes da indissociabilidade entre as dimensões material e imaterial dos bens culturais, o foco dos estudos técnicos propostos, aprovados em resposta ao Edital no Eixo Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural é o “patrimônio cultural construído”, entendido nos termos da Constituição de 1988, em seu artigo 216, e da Portaria nº 375/2018 do IPHAN, responsável pela instituição da sua Política de Patrimônio Material. É importante ressaltar, porém, que os estudos ora em desenvolvimento consideram a prática preservacionista como um fato social que se realiza sobre o território do Campus, cujos processos de apropriação e subjetivação passam por suas dimensões materiais e simbólicas, com estreita aproximação aos eixos da Morfologia e da Paisagem.

 

O Campus Darcy Ribeiro se constitui, hoje, por um conjunto de pouco mais de cem edifícios que foram construídos entre as décadas de 1960 e 2020, além de equipamentos e mobiliário urbanos, obras de arte e elementos de comunicação visual. Cabe ao Plano Diretor, a partir dos estudos técnicos em execução nesse momento, estabelecer critérios para identificação do patrimônio cultural construído para o qual serão elaboradas diretrizes de preservação.

 

Para tanto, o Eixo Patrimônio vem levantando informações básicas dos edifícios, obras de arte, equipamentos e mobiliários urbanos e elementos de comunicação visual que constituem o objeto de análise, tais como localização (coordenadas e endereçamento); ano de projeto, construção e inauguração; autoria e usos.

 

E mais: tendo por base extensa pesquisa bibliográfica e trabalho de campo, o Eixo vem buscando classificar os bens arquitetônicos por fases de implantação no campus, bem como caracterizá-los por meio do entendimento da sua área construída, número de pavimentos, partido arquitetônico, obras de arte integradas e sistemas construtivos. No caso dos equipamentos e mobiliários, obras de arte e elementos de comunicação visual dimensões e materiais estão sendo levantados.

 

Também parte da pesquisa vem a ser a avaliação preliminar do estado de conservação dos objetos em análise com o objetivo de caracterizar a sua condição em ruim, regular e boa ou, conforme o Edital, precária, deficiente e adequada.

 

É de responsabilidade do Eixo Patrimônio, ainda, entender a relevância das arquiteturas, obras de arte, mobiliários e elementos de comunicação visual em análise. A ideia de que o bem cultural é uma produção social que se constrói e reconstrói ao longo do tempo já é consenso na área da preservação pelo menos desde o início do século XX. Um edifício, um quadro ou uma escultura, um móvel ou uma placa de sinalização não são concebidos e executados com a ideia primeira de assumirem o “status” de patrimônio cultural. É a sociedade, em um dado momento, que a esse edifício, a esse quadro, a essa escultura, a esse móvel ou a essa placa atribui significados ou valores que podem alçá-los à condição de patrimônio cultural. Foi assim que os anos 1980 testemunharam a inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, reconhecendo pela primeira vez a materialização de princípios e preceitos da arquitetura e urbanismo modernos aos quais foram atribuídos valores! Da mesma forma, 2009 viu a criação do sítio histórico do Campus Darcy Ribeiro.

 

Assim, as questões que se colocam no âmbito dos estudos técnicos no Eixo Patrimônio são: quais edifícios, obras de arte, mobiliários ou elementos de comunicação visual podem ser considerados significantes pela sociedade? O que a sociedade quer preservar? E, talvez o mais importante, de que “sociedade” se trata?

 

Caberá ao Plano Diretor do Campus Darcy Ribeiro uma consulta social ampla – a estudantes, técnicos, professores, prestadores de serviços, comerciantes, moradores de Brasília – com vistas a entender quais significados esses atores sociais atribuem às suas arquiteturas, obras de arte, elementos de comunicação visual e equipamentos e mobiliários.

 

No momento presente, de estudos, o Eixo Patrimônio, utilizando-se de todos os dados levantados, organizados em tabela e espacializados em base cartográfica QGIS, está atribuindo preliminarmente, a partir de um olhar estritamente técnico, valores culturais de naturezas variadas aos objetos de análise.

 

Em um futuro bem próximo, passada a fase de estudos técnicos, mecanismos de escuta deverão ser criados de modo que a UnB, como universidade pública, de excelência e democrática, ouça você! Quais valores você atribui aos edifícios, esculturas, mobiliários, elementos de sinalização? Como você os relaciona à memória, à identidade e à formação da UnB, de Brasília?

 

Os desafios do reconhecimento e preservação de um patrimônio cultural do Campus Darcy Ribeiro são muitos! Da perspectiva técnica, o debate dentro do campo preservacionista amadureceu o suficiente para legar procedimentos confiáveis de valoração. A partir desse ponto de vista o Darcy Ribeiro não apenas materializa em termos urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos vários dos princípios e preceitos reconhecíveis em Brasília como patrimônio cultural, mas vai além.

 

Entretanto, pouco adianta esse reconhecer técnico, sem que a comunidade universitária e brasiliense o valide e some a ele um reconhecimento que lhe é próprio e plural!

1 É preciso lembrar que, em 1991, o CONSUNI aprovou o sítio histórico da UnB pela relevância dos fatos cívicos e políticos ocorridos aqui. Foi proposta à comissão, criada pelo então Reitor Antônio Ibañez, delimitar a poligonal desse sítio histórico o que, todavia, não aconteceu.
2 Em resposta ao Edital GRE/Infra/DPI nº 0001/2022, integralmente disponível para consulta na página da UnB.

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