OPINIÃO

Paola Caliari Ferrari Martins é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB. Coordena o Centro de Documentação Edgar Graeff, biblioteca setorial da FAU/UnB. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UnB.

Paola Caliari Ferrari Martins

 

Rememorar o dia 21 de abril de 1962, data da inauguração oficial da UnB, é celebrar a modernização da universidade brasileira, ocorrida no âmbito da mudança da capital, um momento ímpar par ao país. O gesto de ‘cortar’ a fita por JK no dia 21 de abril de 1960 vai além da ocupação da porção central do território brasileiro e de todas as expectativas que a transferência da capital evoca, implica a escrita de mais um capítulo na história do ensino superior brasileiro. JK firma nesse dia, durante o seu discurso, um valioso ato: autoriza o Congresso Nacional a instituir uma universidade em Brasília. Lança a semente que brota e, que apesar dos muitos percalços, dá frutos nas mãos de Darcy Ribeiro.


Na dimensão pedagógica, o projeto de Darcy – cabe ressaltar, desenvolvido em colaboração de muitos cientistas e intelectuais brasileiros, membros da CBPE e da SBPC – traz o ineditismo: a macroestrutura tripartida articulando ensino, pesquisa e extensão, além dos Institutos Centrais de Ciências. Uma formação inicial, de dois anos, da/do estudante nos Institutos Centrais, voltados para o ensino do saber fundamental; faculdades dedicadas à pesquisa e ao ensino nas áreas das ciências aplicadas e das técnicas; órgãos complementares, de prestação de serviço à cidade. O plano trouxe uma série de renovações, que serviram de base às demais universidades brasileiras através da Reforma Universitária de 1968.


Na dimensão arquitetônica, as estruturas organizacional e pedagógica estão engendradas em sua arquitetura. A construção do campus dá forma ao abstracionismo do projeto. O primeiro plano urbanístico para a nova universidade foi desenhado por Lucio Costa. Em 1962, Costa apresenta a sua ideia da universidade, a partir do projeto organizacional de Darcy. No ano seguinte, Oscar Niemeyer realiza alterações no plano de Costa. Entre estas, a mais significativa foi aglutinar os Institutos Centrais de Ciências em uma única edificação: o ICC, nosso Minhocão. O gesto de Niemeyer introduz no Brasil um tipo edilício de vanguarda, inédito em universidades brasileiras, que vinha sendo adotado nos projetos de modernização e expansão das universidades europeias, a megaestrutura. Uma edificação em larga escala, multifuncional, flexível, que acolhe a impermanência da universidade. Em uma dimensão territorial, urbana, uma estrutura que ocupa uma posição central, articuladora dos edifícios do Campus Universitário Darcy Ribeiro, norteadora da sua constituição e agregadora da comunidade acadêmica.


O ICC representa a espacialização do plano de Darcy para a Universidade de Brasília na leitura de Niemeyer. O projeto do arquiteto propõe uma estrutura de dois pavimentos, além do subsolo, dividida em três blocos: A, B e C. A proposta do arquiteto teve como premissa a ocupação por cada unidade acadêmica no sentido transversal ao edifício. Dessa forma, haveria um ‘fatiamento’ por unidade, transversalmente, conectando os três blocos em cada uma, de modo a articular ensino e pesquisa.


Acontece que a ocupação militar no campus em 1964, resultado de uma ditadura que perdurou até 1985, levou a uma ocupação desordenada do ICC, distinta do previsto inicialmente. A apropriação de seus espaços pelas unidades aconteceu de forma oposta ao projetado por seu autor, ocorreu como um ‘loteamento’, longitudinalmente, e em cada bloco, de forma emergencial, provisória, na medida de sua construção. O fato simboliza o “descaminho” (RIBEIRO, 1978), conforme termo utilizado por Darcy, da estrutura organizacional da UnB. Diante do desvirtuamento, restam no ICC os vestígios dos fatos históricos e dos ideais inicias de seus criadores.


O ICC simboliza a ideia de Niemeyer para a modernização da universidade, inserida no contexto da nova capital do país. A arquitetura opera como testemunho. Dá forma à memória. O ICC é a concretude do projeto de Darcy, o lugar de rememoração nesse ano em que se completam os 61 anos de sua inauguração. Um projeto paradigmático que foi desvirtuado com a ditadura, mas que eterniza a história e o legado de Darcy em suas entranhas e marcas da passagem do tempo.

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