OPINIÃO

 

Joerg Nowak é professor visitante na Universidade Brasília. Doutor em Ciência Política, Universität Kassel, Alemanha.

Joerg Nowak

 

Como já mencionado no último artigo sobre o Encontro Nacional da ABET em Brasília entre os dias 5 a 9 de setembro de 2023, a pandemia de covid-19 levou a mudanças dramáticas no mundo do trabalho. No último mês, demos enfoque para a situação de motoristas e cobradores(as) de ônibus e trabalhadores(as) na área da saúde.


Nesse texto, nos debruçamos sobre duas outras categorias profissionais que foram desproporcionalmente afetadas pelas infecções da covid-19: trabalhadores(as) domésticos(as) e trabalhadores(as) em frigoríficos.


Nos últimos três meses de 2020, em todo o Brasil, 10,8 milhões de trabalhadores tiveram que deixar o trabalho temporariamente devido à infecção da covid-19, representando 10% de todas as doenças relacionadas ao trabalho. Destes, 2,8 milhões de trabalhadores vieram do setor de frigoríficos. Os frigoríficos estão concentrados na região Sul do Brasil, sendo que metade dos 500 mil trabalhadores do setor vivem nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. O setor tem o maior número de trabalhadores estrangeiros no Brasil, cerca de 16 mil, dos quais 11 mil são haitianos.


No Rio Grande do Sul, até junho de 2020, os trabalhadores dos frigoríficos representavam 34% de todos os casos da covid-19 no estado. Dos 21 frigoríficos do estado, cinco haviam sido parcial ou totalmente encerrados pelas autoridades até junho de 2020. O fato de que, por exemplo, cerca da metade dos funcionários do setor no estado do Rio Grande do Sul estão se deslocando para áreas a cerca de 2 horas do trabalho contribuiu para a distribuição do vírus para outros municípios.

Os 15 municípios com maior incidência de casos de covid-19 em julho de 2020 eram aqueles com frigoríficos ou trabalhadores que se deslocam para os frigoríficos. No final de agosto de 2020, já 25% de toda a força de trabalho, 125 mil trabalhadores, haviam sido infectados e os sindicatos representantes do setor iniciaram uma campanha sob o título "A carne mais barata do frigorífico é a do trabalhador", em alusão à famosa canção Elza Soares, “A carne mais barata do mercado é a carne negra”, que expõe o racismo e sua base no mercado de trabalho. Das duas grandes empresas que dominam o setor, BRF e JBS, ambas foram resistentes em relação às demandas para reduzir o número de trabalhadores por turno. O governo federal havia publicado um decreto em junho de 2020, sugerindo um distanciamento social nos frigoríficos, mas sem quaisquer obrigações legais para as empresas. De acordo com representantes da indústria, toda a força de trabalho em todos os setores de processamento de carne no Brasil conta com 2 milhões de trabalhadores, e a carne é depois da soja o segundo produto agrícola de exportação mais importante do país.


Um grupo que foi afetado com um aumento de 30% de demissões por morte em 2020 foi o dos(as) trabalhadores(as) domésticos(as,) um expressivo grupo de mais de 6 milhões de trabalhadores com características socioeconômicas bastante específicas. 11% das famílias brasileiras empregam um(a) trabalhador(a) doméstico(a). 5,7 milhões desses trabalhadores são mulheres, e 3,9 milhões são mulheres negras, dois terços do total. O Ministério Público do Trabalho havia emitido um decreto declarando que o trabalho doméstico só seria essencial em casos de emergência. Este decreto foi ignorado por um grande número de estados e municípios federais que declararam o trabalho doméstico como um serviço essencial. Apenas 30% de todos os trabalhadores domésticos têm uma relação formal de trabalho. O grupo de "diaristas", trabalhadoras(es) que trabalham em várias famílias e, portanto, para vários empregadores, representa 44% de todos os trabalhadores domésticos, e desses diaristas apenas 24% tem condições de ir em licença por doença, o que leva a uma enorme pressão para que os(as) trabalhadores(as) desta categoria continuem trabalhando em todas as circunstâncias. Este grupo também estava sob maior vulnerabilidade, já que a passagem para vários lares vem com maior risco de infecção. Entre o grupo de "mensalistas" que trabalham apenas para um empregador, 43% estão formalmente empregados, o que vem com mais segurança social e a capacidade de receber o subsídio de desemprego. Apenas 1,7% de todos os trabalhadores domésticos no Brasil são sindicalizados. O salário médio dos 72% dos trabalhadores domésticos informais é cerca de 700 reais, mais de 40% abaixo do salário mínimo legal, enquanto o grupo menor de 28% dos trabalhadores domésticos formais ganha em média 1.300 reais, que equivale ao salário-mínimo atual.


No decorrer de 2020, 1,5 milhões de trabalhadores domésticos, 25% do total da categoria, perderam seus empregos, o que os levou a aceitar novos empregos com condições muitas vezes mais informais e menos remunerados. Entre os diaristas, 39% foram demitidos sem nenhuma compensação por parte dos empregadores; e 13%, entre os mensalistas. Por outro lado, 39% dos diaristas e 48% dos mensalistas foram enviados para casa durante os primeiros meses da pandemia, enquanto os empregadores continuaram a pagar seu salário. A perda generalizada de empregos levou a situações em que os trabalhadores domésticos sentiram uma pressão maior, por exemplo, para permanecerem nas casas dos empregadores durante a noite, o que muitas vezes levou a um aumento de suas horas de trabalho. O enorme número de perdas de empregos entre os trabalhadores domésticos durante a pandemia faz dela um dos setores mais atingidos da economia durante a pandemia.


A linha divisória entre trabalhadores manuais e trabalhadores de escritório, que muitas vezes podem trabalhar a partir de casa, tornou-se muito mais acentuada durante a pandemia.


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