Enrique Huelva Unternbäumen é vice-reitor da Universidade de Brasília. Mestre em Filologia Germânica, Filologia Hispânica e História e doutor em Linguística pela Universidade de Bielefeld (Alemanha). É professor do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da UnB na graduação em Letras e no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada. Na UnB, foi coordenador dos cursos de graduação, chefe do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, vice-diretor do Instituto de Letras, coordenador do Núcleo de Recursos e Estudos Hispânicos, coordenador do Núcleo Instituto Confúcio e diretor do Instituto de Letras.

Enrique Huelva Unternbäumen

 

Um colega e amigo suíço, professor da UnB aposentado já há algum tempo e detentor de uma ironia e um sarcasmo cirúrgicos, costumava dizer, em tom de sentença lapidar e com uma convicção irrevogável “é..., o futuro já não é o que era!”. Como acontece com toda boa ironia, debaixo da superficialidade da primeira interpretação espirituosa da sentença do colega, mediante uma observação um pouco mais acurada, descobriremos uma estrutura lógica que nos convida a realizar reflexões bem mais transcendentais. Que significa que o nosso futuro atual não é mais como os futuros passados? Se existe: qual a diferença? Qual a sua raiz?

 

Essas indagações me fazem lembrar uma palestra ministrada pelo filósofo Hans Ulrich Gumbrecht no Instituto de Letras da UnB em 2016, se a memória não me falha. Naquela ocasião, o ilustre convidado nos ofereceu uma análise da topografia do presente, na que, em essência, afirmava que, na Modernidade, o presente era concebido como um mero momento de transição, um espaço de tempo reduzido e fugaz, no qual o indivíduo e a sociedade avaliavam suas experiências passadas para projetar, com base nesta avaliação, suas ações futuras. Na Pós-modernidade, esse presente breve desaparece e dá lugar a uma nova topografia do presente a uma nova construção social da temporalidade, que o autor chama de 'presente estendido' (Gumbrecht 2010: 48-77). A extensão se deve, por um lado, à incorporação de um passado que somos incapazes de abandonar e, por outro e especialmente, de um futuro que não podemos mais planejar racionalmente (escolher nossa próxima ação a partir de um conjunto de possibilidades). Pelo contrário, o futuro se precipita sobre nós como uma avalanche incontrolável formada por ameaças permanentes (epidemiológicas, climáticas, demográficas, alimentares, financeiras, orçamentárias, políticas, bélicas...), que não parecem responder à lógica de uma transitoriedade, mas que ficam perenemente enraizadas no nosso presente. O progresso, como projeção planejada racionalmente para o futuro, é substituído pelo estado de crise permanente, utilizando um conhecido termo diagnóstico do historiador Koselleck.

 

Há 61 anos e nos anos que precederam o 21 de abril de 1962, a Universidade de Brasília fora concebida como projeto de futuro e como projeção para um futuro que deveria contribuir para a solução das grandes questões do país. Naquele futuro projetado, a UnB estaria “destinada ao cultivo da ciência e da técnica, comprometida com o estudo e a procura de soluções para os problemas que afligem nosso povo”. Voltada para o enriquecimento “das modalidades de formação superior (...), contribuindo decisivamente para a preparação dos cientistas e dos técnicos, capazes de empreenderem a exploração racional do imenso patrimônio de recursos de que somos herdeiros, para colocá-lo a serviço do desenvolvimento do país” (Plano Orientador). Sessenta e um anos depois da sua inauguração podemos dizer que, em grande parte e apesar de ataques, interrupções e crises (e apesar da avaliação crítica do próprio Darcy), o futuro projetado pelo nosso fundador é o presente que temos.

 

Hoje, nas comemorações do sexagésimo primeiro aniversário da Universidade de Brasília, superados já os dois anos e meio mais críticos da pandemia e os quatro funestos – como disse o mais recente galardoado com o Prêmio Camões – de obscurantismo, ataques à educação, à ciência, às artes à cultura e a qualquer expressão de humanismo ou humanidade, sentimo-nos compelidos e, talvez, também em condições de projetar novamente o futuro, mais uma vez com aquela sensação de tempo perdido, de tempo que andou para trás – parafraseando de novo o Chico – e da imperiosa necessidade de acelerar o tempo, de recuperar as perdas, de trazer o futuro para o presente, em lugar de deixar que ele continue nos desbordando com avalanchas de crises de todo tipo. Futuro é agora! resume esse sentimento e conclama de novo a um futuro como projeção desde já, desde agora, a um ‘novo cinquenta em cinco’ ou ‘quarenta em quatro’. Estamos prontos, mais uma vez, como disse Darcy em outro momento histórico, “para retomar, repensar e refazer” (UnB, Invenção e Descaminho.p. 41), cientes de que tem um longo caminho já andado, mas também de que os próximos passos são necessários.

 

Quanto à direção certa, o próprio Plano Orientador, na primeira formulação da missão da UnB, nos oferece uma valiosa dica, quando enfatiza incansavelmente o papel transformador que se esperava da então nova universidade. Retomar, repensar e refazer essa função transformadora no contexto do nosso presente como projeção para o futuro significa, dentre outras coisas por exemplo, que a já alcançada inclusão seja uma verdadeira força transformadora. Primeiro da própria universidade, incentivando o compartilhamento de novas formas de ser, pensar e agir, novas epistemologias e novas corporeidades, para todas as formas de diversidade, que agora, felizmente, compõem o nosso universo interno e para todos os níveis estruturantes da universidade. E que, a partir dessa transformação interna, a universidade contribua efetivamente na transformação da sociedade no seu conjunto. Significa, por exemplo também, que possamos produzir cada vez mais e melhor ciência nas melhores editoras e revistas do mundo. Mas, e sobretudo, que saibamos construir as pontes necessárias para que essa excelência científica e intelectual se traduza, de um modo mais efetivo, em tecnologias, tecnologias socias, loci e formas de produção e políticas públicas que ajudem, como apontou Darcy, a resolver os grandes problemas que afligem o nosso povo, transformando crises em projetos (crises democráticas em projetos de fortalecimento da democracia, crises ecológicas em projetos de ecologia sustentável, crises alimentares em projetos de segurança alimentar ou crises bélicas em projetos de paz).

 

Esse é, me parece, o nosso grande desafio e, ao mesmo tempo, a direção do caminho a ser trilhado no início da sexta década da nossa existência. Que saibamos caminhar com sabedoria, para que o futuro seja o desejado, para a UnB e para o país.

 

Um futuro longo e promissor para a Universidade de Brasília!!

 

Texto proferido em 28 de abril durante reunião especial do Conselho Universitário para comemoração dos 61 anos da UnB.

 

 

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