OPINIÃO

Luiz Paulo Ferreira Nóguerol é professor de História da América do Departamento de História da UnB. É doutor em Economia Aplicada, com ênfase em História Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas.

Luiz Paulo Ferreira Nogueról


Em 13 de maio de 1888, a Câmara dos Deputados aprovou e a Princesa Isabel sancionou a lei Áurea.

 

Como em outros eventos, o que se disputa é o seu significado. No caso, defendo que se trata de uma das datas mais importantes de nossa história. Não pela contribuição da princesa e da família imperial para a vitória do Abolicionismo. Tal participação existiu, mas ao enfocarmos apenas o ato legislativo e quem o sancionou, deixamos de lado as bases sociais mais amplas que levaram ao fim de uma das instituições mais importantes de nossa formação: a escravidão.


A escravidão foi uma das instituições sociais mais importantes que houve no Brasil. Muito antes de que o Estado Nacional se constituísse, constituiu-se a sociedade brasileira, uma sociedade escravista que sozinha recepcionou quase 45% dos mais de 11 milhões de africanos que foram desembarcados nas Américas. Dos quase cinco milhões de desembarques em nosso litoral, aproximadamente dois milhões o foram entre 1800 e 1850, período dentro do qual o País se tornou independente.


Há quem associe a escravidão apenas aos africanos. Nas Américas, porém, os primeiros a serem escravizados foram os próprios indígenas e, além deles, também se escravizaram chineses, japoneses, malaios, indianos etc, traficados pelo Pacífico.


Apesar da religião que justificava a escravidão, o que os dados do tráfico para o Brasil revelam é que à montagem e à estabilização de cada complexo exportador, isto é, o do açúcar, no século XVI, o do ouro, no final do século XVII, e o do café, no início do século XIX, corresponderam expansões significativas de desembarques nos portos negreiros do Brasil.


Isso não se deve ao acaso. A demanda por gente escravizada se expandia quando novas atividades econômicas surgiam no Brasil, e a oferta dos traficantes foi tal que, do século XVI ao século XIX, o tráfico ou se expandia ou se estabilizava. Jamais regredia.


Aqueles que adquiriam as pessoas o faziam em busca de lucros, ainda que nem sempre conseguissem porque parte falecia antes de repor os dispêndios e parte adoecia e ficava incapacitada para o trabalho. Os lucrativos, porém, eram mais do que suficientes para a continuidade do negócio.


Ainda que o senso comum às vezes relute em admitir, o fato é que a escravidão era lucrativa e o escravista era uma espécie de capitalista que investia recursos em busca de retornos positivos. A escravidão era um negócio, também.


Um negócio ao qual aderiu boa parte da população livre do Brasil. Por exemplo, no século XIX havia seguradoras no Rio de Janeiro que anunciavam apólices para todos os senhores, ricos e pobres, contra o risco de morte de pessoas escravizadas contando dos 10 aos 50 anos de idade.

 

Senhores pobres? Sim. No Dezenove, o senhor mais comum era aquele que possuía apenas uma pessoa. Às vezes um órfão menor de idade, às vezes uma viúva, às vezes um liberto incapacitado para o trabalho cuja magra existência era custeada pelo aluguel de uma pessoa escravizada.


Por isso o 13 de maio tem que ser comemorado. Ao abolir-se a escravidão, além de libertar-se as pessoas, eliminaram-se as bases sociais sobre as quais se constituiu a sociedade e a cultura brasileira desde o século XVI. Eliminou-se politicamente uma forma de acumulação de capitais que lentamente se tornou incompatível com os valores da Modernidade.


Tal eliminação política, enfatize-se, deve ser comemorada porque não foram poucos os que se opuseram à Abolição por meio de pretextos econômicos como o da inviabilidade dos negócios empregando-se trabalhadores livres.


A assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel foi frequentemente interpretada como um ato de graça da elite imperial que atendeu aos anseios daqueles privados de liberdade. Deve ser lembrada, nesses tempos de reformas trabalhistas, fiscais e monetárias, como mais um limite ético que as pessoas impuseram a uma forma de acumulação de capitais. Outros virão.

 

 

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