OPINIÃO

Iris Roitman é professora e pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Meio e Ambiente e Desenvolvimento Rural (PPGmader/FUP/UnB).

 

Texto produzido coletivamente com estudantes da turma de Tópicos Especiais em Meio Ambiente e Desenvolvimento - 2 do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da UnB:  Alan Alvarinho Assunção Freire, Allan Francisco Ferreira, Déborah da Silva Santos, Diojailma Marques Costa, Fabrício Souza Dias, Giovana Rodrigues Soto Lizana, Karla Dias Lopes Caetano, Katiúcia Mendes Santos, Kelly Soraya da Luz e Yan Dutra de Souza.

Iris Roitman e estudantes

 

Enquanto a atenção mundial se volta para a proteção da Amazônia, o Cerrado perde espaço, perde vida. As matas, savanas e campos estão desaparecendo. Seus povos indígenas e comunidades tradicionais, guardiões da natureza, estão sob constante ameaça e lutam para defender seus territórios e vidas. Essa luta não é só deles. Temos pressa! 

Patinho feio da conservação e galinha dos ovos de ouro do agronegócio, o Cerrado foi preterido até na própria Constituição de 1988. Ficou de fora do § 4º do artigo 225, que definiu a Amazônia, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira como patrimônios nacionais, conferindo-lhes maior proteção ambiental. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, 47% da Amazônia é protegida por Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas, enquanto as UCs ocupam apenas 8,1% do Cerrado. Vale lembrar que, mesmo na Bacia Amazônica, existem enclaves de Cerrado. Essas áreas, altamente ameaçadas, abrigam diversas comunidades tradicionais, inclusive quilombolas, que enfrentam conflitos socioterritoriais devido à expansão do agronegócio. 

O compromisso do atual governo brasileiro para a proteção da natureza não pode ficar limitado à Amazônia. O Cerrado já perdeu cerca de metade de sua vegetação nativa. Depois da Amazônia, é o bioma com maior emissão de gases de efeito estufa causada pela mudança no uso do solo. Conforme o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a área de alerta de desmatamento na Amazônia diminuiu 33% nos seis primeiros meses de 2023 em relação ao ano anterior, enquanto aumentou 21% no Cerrado. A pressão internacional contra o desmatamento na Amazônia tem aumentado e pode levar ao efeito perverso de deslocar o desmatamento para outros biomas e ampliar conflitos socioambientais e a ameaça aos povos indígenas e tradicionais.

Nosso bioma tem muitas riquezas. Farinha de jatobá, óleo de babaçu, castanha de pequi, mangaba, sabão de coco macaúba, castanha de baru, doce de cajuzinho-do-cerrado e o araticum são alguns dos produtos do agroextrativismo no Cerrado. Estruturados em cadeias produtivas sustentáveis, a partir da organização de comunidades, proporcionam renda às famílias, que desenvolvem tecnologias de conservação da vegetação nativa. Isso sem mencionar o potencial ainda inexplorado de suas biomoléculas para a medicina e indústria farmacêutica. É preciso fomentar a sociobiodiversidade e a bioeconomia do “Cerrado em pé”.

Ao destacar a riqueza do Cerrado, temos que falar das pessoas que vivem nesse espaço. Gente que tem história e saberes, que carrega as marcas de sua resistência. Entre os morros e vales do Planalto Central habitam muitos cerratenses: agricultores, ribeirinhos, quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco babaçu, povos de fundo e fecho de pasto, povos de terreiro e apanhadores de flores sempre-viva. Vivem povos originários como os Xavante, Kalapalo, Karajá, Krahô, Guarani-Kaiowá, Avá-Canoeiro, Terena, Javaé, Xerente, Xakriabá, Kisêdjê, Apinajé e Tapuia. Esses cerratenses, que sabem viver da terra sem matá-la, merecem nossa reverência e reconhecimento. Devemos apoiar essas comunidades e suas lutas, como a demarcação e homologação de terras indígenas e o reconhecimento e titulação de territórios quilombolas.

Não podemos mais fechar os olhos para esse bioma tão grandioso e ameaçado. É preciso lhe dar o merecido destaque na agenda socioambiental do Brasil e do mundo. E não basta abrir os olhos. É preciso lutar de punho Cerrado! 

 

 

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