OPINIÃO

Gustavo Adolfo Sierra Romero é doutor em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília. Professor da Faculdade de Medicina e pesquisador do Núcleo de Medicina Tropical da UnB.

Gustavo Adolfo Sierra Romero 

 

A subemenda substitutiva global ao projeto de lei 7082/17 que dispõe “sobre princípios, diretrizes e regras para a condução de pesquisa com seres humanos por instituições, públicas ou privadas, no Brasil”, aprovada pela Câmara dos Deputados, merece atenção da sociedade brasileira, dados os potenciais impactos negativos que pode trazer para a ecossistema de pesquisa envolvendo seres humanos no país. 

 

Atualmente, não é ousado afirmar que o Brasil é um dos países onde a apreciação ética das pesquisas em seres humanos atingiu um elevado patamar de amadurecimento e consistência. Trata-se de uma construção monumental constituída pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde e pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) que juntos compõem “um sistema que utiliza mecanismos, ferramentas e instrumentos próprios de inter-relação, num trabalho cooperativo que visa, especialmente, à proteção dos participantes de pesquisa do Brasil, de forma coordenada e descentralizada por meio de um processo de acreditação.”

 

Mais recentemente, para abordar o problema de lentidão na apreciação dos projetos de pesquisa mais complexos que revestem os maiores dilemas éticos, o sistema CEP/Conep induziu a acreditação de CEPs para que pudessem assumir a avaliação desses projetos que antes ficavam restritos à apreciação pela Conep.

 

Sinteticamente, o PL 7082/17 simplesmente ignora essa construção e pretende de maneira aparentemente singela, em 65 artigos, tratar desse assunto complexo, impondo o risco de desconstrução de um sistema de efetiva proteção aos participantes dos projetos de pesquisa, sem a devida substituição por um sistema que obrigatoriamente deveria ser mais seguro e efetivo.

 

Indubitavelmente, tornar o sistema mais efetivo é crucial para o bem-estar da população brasileira e para garantir a ela a possibilidade de participação oportuna em projetos de pesquisa que podem trazer benefícios tanto individuais quanto coletivos.

 

A análise detalhada da subemenda substitutiva global ao PL 7082/17 revela omissões que tratam de intencionalidades relevantes para o grande debate que se trava sobre a permissividade ou não que o país oferecerá frente aos interesses da Big Pharma, cujas práticas tem sido questionadas nos últimos anos no Norte Global. Os interesses das grandes companhias farmacêuticas globais e dos seus prepostos, que incluem instituições e pessoas físicas, não podem ser dissociados da proposta fundamental aprovada pela Câmara dos Deputados que concretamente atomiza e fragiliza o sistema CEP/Conep, destituindo-o da necessária unicidade que tem garantido os melhores interesses da população brasileira. 

 

É importante lembrar que o cenário em que o projeto de lei fundamenta a sua proposta de indenização em caso de danos, assim como da continuidade do fornecimento do medicamento experimental, nutre-se na longa luta travada pelo Brasil, notadamente pelo Conselho Nacional de Saúde e pela Conep em prol da garantia desses direitos para os participantes da pesquisa. Hoje, não seria possível manter um posicionamento, tal qual o projeto de lei propõe, sem essa ampla participação e conscientização sobre os direitos dos participantes brasileiros em projetos de pesquisa clínica.

 

Acredito que a atuação isolada de cada um dos Comitês de Ética em Pesquisa que genuinamente cumpram com a sua missão de proteger o bem-estar dos participantes das pesquisas em seres humanos não será, como nunca foi, suficiente para a defesa ferrenha dos melhores interesses do Povo Brasileiro. A participação coordenada da sociedade dentro de um sistema com uma liderança institucional consistente, conduzida de forma democrática e participativa é o único caminho para continuar construindo um melhor futuro para a população. Divididos, haverá perdas para todos e cada um de nós. 

 

Certamente, há um caminho a ser trilhado no aprimoramento do que se construiu até hoje com ampla participação das instituições de pesquisa que redobram os esforços para manter e qualificar os seus respectivos Comitês de Ética em Pesquisa; do Poder Executivo por meio da atuação do Ministério da Saúde que acolhe o Conselho Nacional de Saúde; da Comissão de Ética em Pesquisa e notadamente da Sociedade Civil Organizada que tem assento nesses foros e em cada um dos comitês de ética por meio dos representantes dos usuários. A apreciação do projeto no Senado e a sua regulamentação específica devem ser aproveitadas para evitar a destruição de um sistema CEP/Conep como uma das conquistas emblemáticas da sociedade brasileira para a defesa dos melhores interesses da população.

 

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Referências

1 Subemenda substitutiva global ao Projeto de Lei no. 7.082 de 2017.

2 Resolução MS/CNS 466 de 12 de dezembro de 2012.

3 The Milbank Quarterly, Vol. 94, No. 1, 2016 (pp. 30-33)

4 Art. 2º, XXXIV – Pesquisador/Investigador-patrocinador: pessoa física (grifo nosso) responsável pela condução e coordenação da pesquisa, isoladamente ou em um grupo, realizados mediante a sua direção imediata de forma independente (grifo nosso), desenvolvidos com recursos financeiros e materiais próprios do pesquisador, de entidades nacionais ou internacionais de fomento à pesquisa, de entidades privadas e outras entidades sem fins lucrativos.

 

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